Quantas serão, no total, as pessoas mortas no desastre socioambiental que atingiu a Região Serrana do Rio de Janeiro? Tudo indica que serão mais de mil, e muito provavelmente nunca se saberá ao certo o número, tendo presente que muitas pessoas não serão encontradas por causa das mudanças impressionantes da pasagem. E já estão em contagem, mais uma vez, os mortos em enchentes em Santa Catarina...
Frente a isso, é saudável que o governo federal esteja incluindo em suas reações a decisão de empenhar-se para implementar, nos próximos quatro anos, um sistema efetivo e eficaz de prevenção de desastres. Como já foi dito por assessora da ONU, o Brasil já podia estar muito melhor aparelhado para a prevenção, já que conta com recursos para o que decide fazer.
Vale a pena, por isso, colocar em debate o que se entende por prevenção de desastres, procurando colaborar como cidadãos com a vontade manifestada pelo governo. Será suficiente instalar computadores mais eficientes, que prevejam com maior exatidão e antecedência chuvas e outros fenômenos climáticos? Será suficiente elaborar mapas mais detalhados das áreas de risco, localizando quem nela está estabelecido? Será suficiente instalar sinais de alerta conhecidos por quem se encontra em locais que podem ser atingidos especialmente por enchentes?
Tudo isso é absolutamente necessário e deve ser realizado no mais curto espaço de tempo, de modo especial nas áreas que seguidamente são atingidas e sofrem com vítimas fatais. Cabe-nos, então, acompanhar a ação governamental para verificar o andamento destas medidas já anunciadas, e para exigir que sejam realizadas, no caso de entrarem no esquecimento uma vez passado o clima de comoção provocado pela morte de tantas pessoas e por todas as consequências das mudanças da paisagem das regiões atingidas.
Mas, há uma pergunta que não pode ser deixada de lado: as informações disponíveis sobre o clima não indicam com segurança que haverá eventos extremos cada vez mais intensos, provocando desastres cada vez mais significativos? Se sabemos disso, o trabalho de prevenção não deveria identificar e atacar as causas dos eventos climáticos extremos que provocam desastres socioambientais?
A resposta, no meu entendimento, assentando sobre o que se tem de mais seguro e sério sobre o que já aconteceu e sobre os cenários futuros das mudanças climáticas, deve ir na direção da busca e enfrentamento das causas. Sem isso, tudo que se fará, mesmo sendo necessário e urgente, apenas significará diminuição do impacto desses fenômenos climáticos que não são mais naturais, e sim provocados por ações humanas. Sabe-se que o agravamento crescente dos eventos climáticos extremos se deve a tudo que provoca crescente aquecimento no planeta Terra, em particular a tudo que emite gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso. Assim sendo, se empresários e governo teimarem na manutenção e expansão do tipo de indústria, de transporte, de agropecuária e de geração de energia dominantes, o Brasil estará aumentando sua contribuição na geração do aquecimento global, e será responsável pelo agravamento dos eventos climáticos, incluídas as mortes de pessoas e de outros seres vivos.
Uma política de prevenção de desastres socioambientais adequada ao século XXI deve incluir e privilegiar medidas de redefinição do desenvolvimento, deixando de centrá-lo na economia de mercado capitalista, que exige exploração intensiva ecrescente dos bens naturais, reduzidos a matéria-prima, e exploração mais profunda dos trabalhadores; e que exige expansão sem fim do consumismo como garantia da reprodução do sistema, voltado exclusivamente para a obtenção de lucros e mais lucros, mesmo se isso gera a injustiça presente na desigualdade socioeconômica e o desequilíbrio da Mãe Terra . O desenvolvimento, no século XXI, deve centrar-se na promoção e garantia do bem viver para todas as pessoas, relacionando-se com cuidado e carinho com as pessoas, com os demais seres vivos e com tudo que constitui o ambiente favorável à vida na e da Mãe Terra. Não há a mínima chance de a humanidade continuar vivendo na Terra se continuar concentrando riqueza, renda, poder, luxo e desperdício em tão poucas mãos, e transformando o necessário para manter vivos os demais seres humanos: alimentos, habitações, meios de transporte, empregos e tudo mais, em mercadorias, isto é, em fontes de mais lucros e concentração. Ela já está estressada e, mesmo sem querer, ver-se-á obrigada pelos seres humanos exploradores a agir de forma desequilibrada.
Não se diga que não existem alternativas em nosso país. Para dar dois exemplos, basta lembrar quanto sol aberto está disponível para ser fonte de energia elétrica; e basta ter presente que a maior parte da alimentação é fruto da agricultura camponesa, ainda tão pouco reconhecida e apoiada, e que já existem conhecimentos e técnicas para recuperar e revitalizar o solo para produzir alimentos agroecológicos, abandonando os venenos, produtos químicos e sementes trangênicas, tudo comprovadamente agressivo ao ambiente vital e fonte de doenças. Não seria necessário derrubar mais nada da floresta amazônica nem construir imensos lagos artificiais nesta e em outras regiões, causando desastres sociambientais e gerando e emitindo mais metano na atmosfera, aumentando o aquecimento global; uma vez democratizado o acesso ao solo e reorganizado seu uso, haverá muitos espaços para recriar, junto com as energias da Terra em cada um de seus biomas, extensas áreas de novas florestas - não essas de eucalipto ou pinus, que não passam de um dos processos da indústria, e que, como ela, desequilibram o ambiente vital.
Concluindo, uma política de prevenção de desastres sociamabientais deverá necessariamente ser parte de um programa de desenvolvimento que priorize o social e o ambiental, colocando a economia a serviço deste objetivo. Sem isso, por mais que se faça para prevenir, sempre se estará atrasado em relação ao agravamento e à multiplicação dos eventos climáticos extremos.
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