Nota do Cimi sobre o extermínio programado dos povos isolados: ao menos 21 Terras Indígenas estão invadidas
No total existem no Brasil registros de 114 povos indígenas isolados, dos quais apenas 28 são confirmados pela
Está em curso o extermínio programado dos
povos indígenas livres ou em situação de isolamento voluntário no
Brasil. Não se trata tão somente de uma omissão do governo federal, mas
de sua ação deliberada para permitir que esses povos sejam massacrados.
Faz parte desse plano criminoso e genocida a desconstrução de todo o
sistema de proteção da Fundação Nacional do Índio (Funai), ao mesmo
tempo que, ora de forma velada, ora de forma explícita, respalda os
invasores de seus territórios.
Segundo os dados coletados entre janeiro e
novembro deste ano pelo Relatório Violência Contra os Povos Indígenas
no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 21 Terras
Indígenas com registros da presença de povos isolados estão invadidas:
seja por madeireiros, garimpeiros, grileiros, caçadores, pescadores e
extrativistas vegetais. O levantamento não engloba os territórios com a
presença desses povos onde não há nenhuma providência em termos de
demarcação e proteção de suas terras. No total existem no Brasil
registros de 114 povos indígenas isolados, dos quais apenas 28 são
confirmados pela Funai.
A estratégia de extermínio e genocídio se
torna ainda mais evidente sabendo que o governo conhece muito bem a
situação de vulnerabilidade em que se encontram esses povos, a
fragilidade que têm para se defender e a liberdade de ação de criminosos
em regiões sem a presença protetiva do Poder Público.
Os povos indígenas isolados, assim como
os demais povos indígenas e comunidades tradicionais, a própria Floresta
Amazônica e tudo que nela habita e seus aliados e defensores, não só
são considerados como obstáculos, mas como inimigos a serem combatidos,
vencidos ou destruídos, na medida em que atrapalham ou oferecem
resistência aos planos governamentais.
Por isso, o governo convenientemente
fecha os olhos e favorece a ação de assassinos e criminosos ambientais
que se encarregam do serviço sujo. Uma vez “limpo” o caminho, estão
dadas as condições para a apropriação das terras por latifundiários para
a produção de commodities agrícolas e para que empresas promovam o
saque das riquezas naturais da região, como a exploração mineral,
inclusive pelo garimpo, que o governo pretende liberar nas terras
indígenas. Essa lógica perversa, que permite o extermínio da
sociobiodiversidade da Amazônia para satisfazer a ganância de poucos,
precisa ser parada.
Na
Terra Indígena Vale do Javari (AM), concentração do maior número de
povos indígenas isolados no país, com 18 registros, de dezembro de 2018
até o momento já aconteceram cinco ataques a tiros contra a Base de
Proteção Etnoambiental do Rio Ituí-Itacoaí denunciados pela União das
Nações Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e confirmados pelos
funcionários da Funai que trabalham nessas bases.
Em
setembro deste ano, o servidor da Funai Maxciel Pereira dos Santos foi
assassinado em Tabatinga, no Amazonas, provavelmente devido ao seu
trabalho de fiscalização na Base do Rio Ituí-Itacoaí. Além disso,
missionários fundamentalistas, inclusive estrangeiros, estão entrando na
TI Vale do Javari sem autorização dos povos indígenas e desrespeitando
as medidas de proteção da Funai, colocando em sério risco a
sobrevivência desses povos isolados.
A situação se espelha país afora. Paulo
Paulino Guajajara, guardião da floresta, foi assassinado a tiros, em 1
de novembro, numa emboscada executada por invasores no interior da Terra
Indígena Arariboia (MA), habitada pelo povo Guajajara e grupos isolados
Awá-Guajá. Laércio Guajajara, que acompanhava Paulo Paulino, sofreu uma
tentativa de homicídio ao ser atingido por dois tiros: um no braço e
outro nas costas. A Terra Indígena sofre com a invasão de madeireiros e
caçadores há anos. São indivíduos que se sentem à vontade para atacar os
indígenas no interior de suas terras e são uma grande ameaça aos grupos
isolados.
Na Terra Indígena Inãwébohona, localizada
na Ilha do Bananal, no dia 9 de outubro, foram avistados oito indígenas
isolados por um brigadista do PrevFogo durante ação de combate a um
grande incêndio florestal, confirmando as informações de indígenas da
região e do Cimi com insistentes pedidos e repasses à Funai para que as
necessárias medidas de proteção fossem adotadas. As autoridades, apesar
do evidente risco que corre esse povo isolado devido ao grande número de
invasores explorando as riquezas naturais nessa Terra Indígena e dos
grandes incêndios no período seco, e mesmo provocadas a agir pelo
Ministério Público Federal (MPF), se mantêm em silêncio.
Na carta divulgada no dia 06 de novembro,
dirigida “à sociedade brasileira e às autoridades competentes”, o
conjunto de servidores lotados nas Frentes de Proteção Etnoambiental
(FPEs) da Funai manifestam sua preocupação diante desse quadro
assustador de ameaça a vida dos povos indígenas isolados e revelam sua
angústia e impotência porque não são oferecidas as devidas condições de
trabalho, a segurança e o respaldo para exercerem o seu papel de
fiscalização dos territórios.
Os povos indígenas isolados, que se
deslocaram para os lugares mais inacessíveis da Amazônia para fugir da
violência das frentes de expansão econômica capitalista e para manter a
sua liberdade, têm direito à vida, a seus territórios e o respeito à
opção que fizeram, assegurados pela legislação brasileira e pelos
Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário. A
ninguém cabe desrespeitá-los, muito menos aqueles a quem foi confiado a
responsabilidade de zelar pelo seu cumprimento.
Trazemos aqui um trecho do documento
final do Sínodo da Amazônia: “a ganância pela terra está na raiz dos
conflitos que levam ao etnocídio, além do assassinato e criminalização
dos movimentos sociais e de seus líderes. A demarcação e proteção da
terra é uma obrigação dos estados nacionais e seus respectivos
governos”.
Conforme disse o papa Francisco em Porto
Maldonado, no Peru, em janeiro de 2018, os povos indígenas “são os mais
vulneráveis entre os vulneráveis (…) continuem defendendo esses irmãos
mais vulneráveis. Sua presença nos lembra que não podemos dispor dos
bens comuns ao ritmo da avidez do consumo”.
Brasília, 12 de novembro de 2019.
Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
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