GRITAR COM INDIGNAÇÃO E ESPERANÇA:
JUNTOS COM OS POBRES E A TERRA
CARTA DO
FÓRUM MUDANÇAS CLIMÁTICAS E JUSTIÇA
SOCIOAMBIENTAL – FMCJS
2019
Nós, participantes do
Seminário Nacional do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental,
realizado em Brasília nos dias 5 a 8 de novembro de 2019 em momento de profunda
aflição dos povos do Brasil e da América Latina, refletimos sobre as causas
deste sofrimento e anunciamos ações práticas que são portadoras de
criatividade, solidariedade e esperança.
O governo empossado em janeiro já nasceu ultrapassado. Sua
opção pelo autoritarismo político, fundamentalismo ideológico, obscurantismo
cultural e neoliberalismo econômico está desmontando o Estado social. Privatizações
do patrimônio público, reformas que agravam e empobrecem a vida da classe
trabalhadora, violando os seus direitos duramente conquistados, a conversão dos
biomas e dos seus ecossistemas em zonas de sacrifício ao deus mercado, a entrega
dos bens naturais do país à ganância dos grupos transnacionais, são fatos que debilitam
ou anulam o preceito constitucional da soberania nacional e o sonho de uma
sociedade do Bem Viver para todos os seres.
O colapso climático já começou. É uma situação
de emergência, cujos efeitos mais perigosos só poderão ser evitados
se o aquecimento global for contido em 1,5°C acima do início da era industrial.
Só será possível respeitar esse limite de temperatura média global se o
desmatamento for estancado imediatamente e, principalmente, se 90% dos
combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) permanecerem no subsolo. As
petroleiras, mineradoras, madeireiras e o agro-hidronegócio seguem ampliando
seu rastro de devastação. As elites exportadoras desapropriam bens públicos em
benefício privado, colaborando na desindustrialização e desnacionalização da
economia, acorrentando-a aos interesses dos países industrializados. O grande
capital acena com falsas soluções influindo negativamente na formulação de políticas
dos governos nacionais e da própria ONU; ou, pior ainda, embarca sem rodeios no
negacionismo climático, no ecocídio, na xenofobia e no etnogenocídio.
Sintonizados com a lógica da ganância e lucro
fácil, Trump anunciou a retirada dos EUA do já insuficiente Acordo de Paris, e
Bolsonaro, seu aliado, impõe uma devastadora agenda antiambiental. Com o
desmonte da política indigenista, ambiental e climática, queimadas e incêndios criminosos
a serviço da agropecuária de exportação se espalham não apenas na Floresta
Amazônica, mas em todos os biomas; a mineração segue com suas práticas
criminosas, mesmo após Mariana e Brumadinho; e o ocupante da presidência quer
levá-la para dentro das terras indígenas. O litoral do Nordeste segue sendo
atingido por um vazamento de petróleo devastador, agravando uma dívida social e
ecológica de proporções gigantescas, sem que o governo acione o plano de
enfrentamento a desastres.
Criticamos também as falsas soluções climáticas que parecem
crer que a tecnologia e o dinheiro resolvem qualquer problema. É o caso da
comercialização do carbono e das usinas hidroelétricas, termoelétricas e
nucleares, promovidas pelos Estados e grandes empresas. A financeirização torna
a degradação ambiental uma fonte de lucros, impondo projetos só aparentemente ecológicos,
como os grandes parques eólicos e solares. Defendemos uma economia de baixa
demanda energética, e soluções descentralizadas de mitigação e adaptação ao
aquecimento global, apoiando-as nas comunidades locais - ruas, bairros,
aldeias, - nas bacias hidrográficas e nos ecossistemas.
No campo, nas florestas, nos mares e nas cidades, em todos os
biomas brasileiros, a sociedade civil organizada vem construindo práticas
emancipadoras que solucionariam o caos climático. O FMCJS congrega diversas
iniciativas que buscam “mudar o sistema e não o clima” e fazem um trabalho
sistemático de formação e comunicação popular sobre alternativas em campos como
conversão da matriz energética e incidência nas agências de governo para conter
a mudança climática, tais como as campanhas “nem um poço a mais, áreas livres
de petróleo”, “terra sim, barragem não: água e energia não são mercadoria”,
“nuclear não!” e a articulação “territórios livres de mineração”. São ações mobilizadoras
visando a integração de todos os seres, a democratização do poder e do saber, da
terra, das riquezas, da energia, do conhecimento; multiplicação de comunidades
autogestionárias, cuidado com a água, desaceleração da vida, participação
popular, redução do consumo, reaproveitamento dos produtos, coletivização dos
transportes, segurança e soberania alimentar, defesa dos bens comuns e do Bem
Viver.
O FMCJS compartilha com os povos amazônicos a alegria da
iniciativa vitoriosa do Papa Francisco. Ricos relatos sobre o Sínodo da
Amazônia revelaram o extraordinário compromisso do Papa com os oprimidos da
Terra e com a Natureza. O Sínodo foi um marco histórico, planetário e universal
pelo reconhecimento do direito dos povos da Floresta e de todos os seres à vida
digna e plena. O Sínodo trouxe a presença dos Mártires da Amazônia como
exemplos e testemunhos da vida plena e fez a crítica ao modo de desenvolvimento
predatório e ecocida, que reduz o desenvolvimento social e humano a mero
crescimento econômico, mercantiliza, explora e destrói a Natureza, a
biodiversidade, os bens comuns e os povos indígenas, guardiões da vida da
Floresta. Em contraste, propõe respeito à pluralidade das culturas aos
princípios da autodeterminação; demarcação dos territórios indígenas e
quilombolas; e consulta prévia sobre projetos que envolvam as terras indígenas
e comunidades tradicionais, o respeito aos povos indígenas livres (isolados) e
o reconhecimento jurídico dos direitos da Natureza.
Nosso grito é em defesa da vida dos povos, das águas, da
terra e das florestas, das populações urbanas vulnerabilizadas e imigrantes,
que têm suas vozes silenciadas pela política que oprime e reprime, pela falta
de educação libertadora, de atendimento médico humanizado, de alimentos diários.
Gritamos com as mulheres silenciadas pelo feminicídio, com as mães que perdem
seus filhos em consequência de uma política racista e homofóbica.
Gritamos pela democratização dos direitos, pelo respeito à
diversidade, a demarcação das terras dos povos tradicionais, o reconhecimento
jurídico dos direitos da Natureza, a ecologia integral, o desenvolvimento de
uma nova economia de base comunitária, orientada para o Bem Viver autogestionário
e solidário das pessoas e comunidades em seus territórios. Gritamos com a
natureza, com o clima, com as oprimidas e oprimidos:
Chega de destruição e
morte!
Entidades presentes no Seminário Nacional:
Articulação Antinuclear Brasileira
ARCA/GO
ASA Brasil
Associação de Favelas de S. José dos Campos
Associação de Moradores de Nazaré/RO
Caritas Diocesana de Palmeira dos Índios
Caritas Brasileira
Ceará no Clima
Centro Burnier
Comitê de Energias Renováveis do semiárido
Central dos Movimentos Populares/RO
Comissão Pastoral da Terra
FASE
Fórum Ceará no Clima
Fórum Piauiense de Convivência com o Semiárido
Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil
IBASE
Instituto Madeira Vivo
Instituto PACS
International
Rivers
KOINONIA- Presença Ecumênica e Serviço
Movimento de Atingidos por Barragens
Movimento dos Pequenos Agricultores
Movimento dos trabalhadores do campo
Movimento Tapajós Vivo
CUT/RO
Pastoral Universitária de RR
Rede Jubileu Sul Brasil
Rede Eclesial Panamazônica
Serviço
Arquidiocesano em Rede/RN
Serviço Amazônico de Ação, reflexão e educação
socioambiental
Serviço Pastoral dos Migrantes
Um dia para o Planeta
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