TERRAS, CHINA MIRA A
AGRICULTURA BRASILEIRA
INESC - 27/03/2018
Entre 2012 e 2017, o PIB per
capita da China cresceu 48% enquanto o brasileiro ficou estagnado. Esse
crescimento potencializa a demanda chinesa por soja, milho e carne, entre
outros produtos em que a China é um dos principais importadores, e aumenta o
interesse estratégico em terras cultiváveis. Em 2016, o Brasil exportou US$ 37,4 bilhões em produtos para a
China.
Para Song Yang, cônsul geral
da China em São Paulo, “a China e o Brasil são altamente complementares”. A
capacidade brasileira de entregar uma oferta estável de produtos em que a China
tem escassez – como soja e produtos lácteos – faz com que os dois países sejam
“irmãos gêmeos”. Na visão dos chineses, claro.
Em
um investimento importante anunciado no fim de 2017, na esteira das várias
aquisições de empresas brasileiras por chineses, o grupo chinês Citic Agri Fund
Management comprou a operação de sementes de milho da Dow AgroSciences Sementes
e Biotecnologia Brasil por US$ 1,1 bilhão.
A nova empresa, rebatizada de
LP Sementes, já surge com cerca de 20% do mercado nacional de sementes de milho
– terceira no ranking – e com planos ambiciosos para ir além. A Yuan LongPing
High-tech Agriculture – subsidiária do Citic Agri Fund – é a líder de mercado
de sementes na China e líder global de sementes de arroz híbrido. Com a compra,
terá acesso total ao banco de germoplasma de milho brasileiro e à marca Morgan.
Os planos de expansão incluem
a busca de novos mercados na América Latina e a promessa de trazer sementes de
arroz híbrido para o Brasil. O gerente geral do fundo chinês, Shi Liang, não
fez rodeios: “no Brasil, desejamos investir cada vez mais na biotecnologia, e
estamos apenas no começo”, declarou. Hoje, a China já é o maior importador dos
produtos agrícolas brasileiros, com 24,5% do total.
Em 2016, a Hunan Dakang
Pasture Farming, unidade do grupo chinês Shanghai Pengxin Group, investiu cerca
de US$ 200 milhões na aquisição de 57% das ações da trading e processadora de
grãos brasileira Fiagril Ltda. O investimento tem como principal interesse a
área de soja e milho e está localizado em Lucas do Rio Verde, Mato Grosso. “Isso
marca a estratégia chinesa de compra de tradings menores no exterior com vistas
a ter maior controle sobre o escoamento de produtos agrícolas, sobretudo grãos,
para a China”, afirma o relatório “Investimentos Chineses no Brasil 2016” do
Conselho Empresarial Brasil-China.
A soja brasileira, outro
expoente do segmento, alcançou 50,9
milhões de toneladas exportadas para a China no acumulado de 2017, alta de
33,3% em relação a 2016. Em valores, a soja gerou receita de US$
25,718 bilhões, alta de 34,1% em relação a 2016.
O Brasil é responsável por
cerca de 60% das importações totais de soja pela China, o maior importador
global do produto. No total, a safra 2016/2017 de
soja brasileira chegou a 114 milhões de toneladas. Em
um contexto mais amplo, o embarque total do agronegócio brasileiro para a
China aumentou expressivos
577% de 2005 a 2016. Em
nenhum outro mercado agrícola no qual o Brasil tem relevância como exportador há
um grau de dependência tão elevado.
A carne bovina acompanha. Em
2016, a China importou 736.576 toneladas de carne – atrás apenas de Hong Kong –
um total de 1,75 bilhão de dólares. Com um consumo ainda módico frente a outros
países, o chinês come hoje 4,07 quilos de carne por habitante/ano. Mas a
tendência é de inequívoco crescimento: entre os anos 2000 e 2017 a alta acumulada é de 39,3% ou
cerca de 2,0% ao ano, em média. No total, o consumo per capita de carne chinês
ultrapassou os 50 quilos anuais.
E o crescimento da população
urbana no país, de cerca de 20 milhões de pessoas ao ano, reforça a tendência,
já que moradores de cidades tendem a comer mais carne.
Não bastasse isso, a Ásia
emergente está comendo mais carne de frango e de porco, e a soja que confere
músculos às aves e suínos se espalhou pelas fazendas do planeta em ritmo mais
rápido que o de qualquer outra safra, cobrindo área 28% maior do que a ocupada
uma década atrás.
Nos próximos 10 anos, a soja
terá área plantada superior a um bilhão de hectares (10 milhões de quilômetros
quadrados) em todo o mundo, com expansão maior que a cevada, milho, arroz,
sorgo e trigo, de acordo com projeções do Departamento da Agricultura dos
Estados Unidos, mostra reportagem especial do Financial Times.
O jornal lembra que o triunfo
da soja depende da China. As importações da safra pelo país triplicaram nos 10
últimos anos, para um total estimado em 93 milhões de toneladas no ano que vem,
o equivalente a 66 quilos de soja por habitante/ano. Projeções mostram que esse
número pode chegar a 121 milhões de toneladas de soja ao ano, dentro de uma
década, mais de 30% acima do total atual.
Com o custo doméstico de
produção de soja muito alto, a China produz somente 15 milhões de toneladas
anuais. Sabiamente, a China proíbe o uso de soja geneticamente modificada em
alimentos de consumo diário. Mas a restrição não se aplica à soja usada para
ração animal e para a produção de óleo de cozinha, e por isso os insumos usados
nessas atividades hoje vêm principalmente de safras estrangeiras com traços
alterados por bioengenharia – do qual o Brasil é disparado o principal
fornecedor.
Soja, carne e minério de ferro
são os principais vetores de expansão da fronteira agromineral, desmatamento,
conflitos fundiários e violência no campo, especialmente nos estados da
Amazônia Legal e no Matopiba (fronteira entre Maranhão, Tocantins, Piauí e
Bahia).
O rebanho bovino na Amazônia
Legal saltou de 37 milhões de cabeças em 1995 – equivalente a 23% do total
nacional – para 85 milhões em 2016, cerca de 40%. A pecuária para a criação de
gado é a atividade que mais contribui para o desmatamento na Amazônia, ocupando
65% da área desmatada, afirma um estudo recente do Imazon (Instituto do Homem e
Meio Ambiente da Amazônia).
Em 2016, o Brasil desmatou
7.893 km2 na Amazônia e, no ano anterior, 6.207 km2. A taxa ainda é muito mais
alta do que a meta proposta pelo próprio governo, em 2009, de chegar a 3,5 mil
km2 em 2020. Com isso, também fica em xeque a capacidade do país de cumprir sua
parte no Acordo de Paris, compromisso global de redução de emissão de gases
estufa: são mais 330 milhões de toneladas de CO2 emitidos pelo desmatamento em
2017, quando deveríamos reduzir de 36% a 39% essas emissões até 2020, em
relação aos níveis de 1990.
Compra
de terras por estrangeiros é ponto chave
Um fator preponderante que
pode potencializar muito o apetite chinês para a produção agrícola no Brasil é
a autorização da compra dessas terras por estrangeiros, hoje travado por um
parecer de 2010 da Advocacia-Geral da União (AGU), que veta essas aquisições.
O governo Temer tem
encaminhado um projeto que libera a compra de até 100 mil hectares de terras
brasileiras por multinacionais – e esse total pode chegar a 200 mil hectares
por meio de arrendamento. A expectativa era de que o projeto fosse
votado ano passado, mas permanece na gaveta até o momento.
Para se ter uma ideia, 100 mil
hectares correspondem a cerca de 1 mil quilômetros quadrados ou três vezes a
área de uma cidade grande como Belo Horizonte. Atualmente, mais de três milhões
de hectares de terras brasileiras já estão nas mãos de 20 grupos estrangeiros,
uma média de 137 mil hectares por grupo, segundo dados da ONG
canadense Grain.
Para Charles Tang, presidente
da Câmara Brasil China, há grande interesse de investidores orientais pela
compra de terras no Brasil para produção agrícola. Segundo ele, os chineses
poderiam já ter investido cerca de 90 bilhões de dólares no país se fossem
liberados para comprar terras. Entretanto, mesmo que a legislação permaneça
como está, com restrições – muitas vezes burladas – o interesse dos chineses
pelo agronegócio brasileiro é crescente e não deve diminuir. “Eles têm muito
acesso a capital e mais de 1,3 bilhão de bocas para alimentar”, lembrou Tang, em
referência à população chinesa.
Ao contrário do que pensa o
senso comum, a China tem uma
disponibilidade de terras aráveis e de recursos hídricos bem abaixo da média
mundial, lembra o relatório “O Agronegócio Brasileiro: China e
Comércio Internacional”, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).Indicando cerca de
9,6 milhões de km de área, o censo mais recente das terras aráveis na China
registrou cerca de 135,2 milhões de hectares de terras
agrícolas, 14,3% do território nacional. Contudo, subtraindo-se as áreas
reservadas para a restituição de florestas e pastagens, bem como os terrenos
considerados impróprios (poluídos) para o cultivo, a extensão das terras
realmente agricultáveis fica apenas pouco acima do nível mínimo defendido pelo
governo, 120 milhões de hectares, o que equivale a menos de 0,1 hectare per
capita, ou 40% da média mundial.
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