02/11/2017 18:15
Por Sucena Shkrada
Resk
Subestimar os
conhecimentos tradicionais que se perpetuam por gerações é um ato de ignorância
que tem se repetido por décadas. No contexto das mudanças climáticas, essa
constatação se torna mais evidente, pois a vivência dos povos indígenas e suas
relações cosmológicas ancestrais são experiências que dialogam de forma
concreta com a Ciência e trazem aprendizados a um campo político e econômico
controverso, cujos interesses conflitam com o que a sabedoria e a razão
científica expõem. Por meio das analogias e inferências, da relação entre o
comportamento das estrelas e constelações ou das aves com o uso da terra e o
ecossistema, os efeitos das ações antrópicas emergem nesta transcendência
cadenciada.
Em tempos de
Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas (COP-23), que acontece em Bonn, na Alemanha, entre 6 e 17 de
novembro, abrir a escuta, sem ranços, para esses olhares transversais pode dar
mais respostas para a inovação de paradigmas de desenvolvimento em um palco
político antagônico, que tem impedido reais avanços localmente e de forma
global e podem emperrar acordos já firmados, desde a COP-21, em Paris. Um
desenvolvimento ainda calcado em um mundo tratado como mercadoria.
O
vídeo-documentário “Vozes Indígenas Num Clima em Mudança”,
produzido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), traz uma
escuta interessante de diferentes representantes de etnias sobre o tema. O
sensível documentário “Para onde foram as Andorinhas?”, do
Instituto Socioambiental e Instituto Catitu, é outro canal de comunicação
audiovisual que possibilita reflexões, como também a publicação “Mudanças Climáticas e a Percepção Indígena”,
da Operação Amazônia Nativa (OPAN). As falas de todos os indígenas, da Amazônia
ao Xingu, entoam um grito de alerta sobre a relação conflitante do homem branco
com a terra, as águas, ou seja, com todo o planeta Terra (Pachamama).
Esses povos têm
diferenças culturais, que traduzem suas histórias e identidades, entretanto,
não impõem fronteiras em seus discursos ao tratar do “bem-viver”, do respeito
entre os mundos material e imaterial, e reverberam o propósito de bem coletivo
aos parentes, aos povos tradicionais e à toda sociedade. São Baniwa,
Guajajara, Idioriê, Kayabi, Krenak, Manoki, Mehinako, Munduruku, Wará, Xavante,
entre outros.
Com a lente de
aumento sobre todo o país, trata-se de um universo de 305 etnias e de pelo
menos, 896,9 mil indígenas, de acordo com o Censo Demográfico do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. Hoje também existe o
Comitê Indígena de Mudanças Climáticas, com representantes das cinco regiões do
país. Um espaço de incidência política que merece mais reverberação.
Em outubro, ao ouvir
a narrativa da liderança indígena André Baniwa, da Amazônia, em evento do
Observatório do Clima (OC), realizado em São Paulo, sobre os dados mais
recentes do Sistema
de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG),
essa gama de significativas leituras foi reforçada.
Por meio da
construção de uma cartografia que tem a contribuição estratégica dos mais
idosos nas aldeias, com o subsídio de calendários do uso da terra indígenas,
que usam elementos de sinalização como os animais, os processos de mudanças em
duas décadas reportam a um estado de apreensão. Esses dados resultam, segundo
ele, na reação atual do seu povo para buscar caminhos para a sustentabilidade e
bem-viver em seus territórios. Para isso, há reuniões coletivas para discutir o
assunto.
“...O calendário
indígena de cada povo Baniwa (de acordo com o território que vivem) é
diferente. Acompanha estrelas e constelações, cada período da fase importante
para a agricultura, para a pesca. Algum sinal de passarinho, andorinha antes da
pesca, por exemplo, significa fartura de peixe. Hoje não existe mais este
movimento, são sinais práticos...O tucunaré diminuiu de tamanho nos últimos 20
anos”.
Segundo ele, as
piracemas não existem mais de forma organizada... “Agora tem muita chuva no Rio
Negro e não tem peixe. Observamos, desde 2002, esse processo de cheias
frequentes. Cobriram pedras antigas (lugares sagrados), que temos sobre o
entendimento do mundo...”.
Nesse diálogo entre a
Terra e o mundo espiritual, André sinaliza que a natureza está dando alertas.
“...Atualmente há trovejadas constantes na região das aldeias, o que não
ocorria. Estamos procurando entender o que isso significa. Isso nos preocupa,
porque (no campo das relações sociais e políticas) nossos direitos estão sendo
ameaçados e é consequência de decisões políticas, nos grandes centros do
mundo...Se não houver mudança de atitude...”, deixa este alerta.
O indígena já havia
levado a sua mensagem ao Espaço do Clima da Sociedade Civil, na COP-21, ao lado
de outros parentes, sobre a questão climática, em evento realizado pelo
Instituto Socioambiental (ISA), quando destacou: “Os xamãs do povo Baniwa dizem
que esse mundo vai parar daqui a algum tempo e não haverá sinal de vida. Será
um período silencioso, na nossa previsão...”.
André ainda destaca o
importante trabalho de pesquisa que está sendo realizado por outros parentes,
como os Tukano e de outras etnias. Uma amostra dessa interação dos povos
indígenas com o processo das mudanças climáticas é o levantamento Ciclos
Anuais dos Povos Indígenas do Rio Tiquié. com apoio do ISA.S
http://cidadaosdomundo.webnode.com/news/as-mudancas-climaticas-sob-o-olhar-indigena/
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