segunda-feira, 9 de março de 2015

SECA: SOLIDARIEDADE COM OS SEDENTOS VÍTIMAS DE MAUS GOVERNOS

SEGUEM DOIS ARTIGOS. O DO AMIGO GOGÓ MOSTRA, JUNTO COM A SOLIDARIEDADE, QUE É COM GRANDES OBRAS QUE SE ENFRENTA A FALTA DE ÁGUA. NO SERTÃO SEMIÁRIDO, SÃO AS CISTERNAS CASEIRAS PARA BEBER E COZINHAR E OUTRAS PARA CULTIVAR O BÁSICO PARA A VIDA QUE ESTÃO EVITANDO A FOME E A SEDE TÃO PRESENTES POUCOS ANOS ATRÁS.

O DO HEITOR NOS MOSTRA COMO A MÁ GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS É, AO MESMO TEMPO, FONTE DE TRAGÉDIAS PARA A POPULAÇÃO E PARA A NATUREZA, E FONTE DE LUCROS PARA OS ACIONISTAS DE EMPRESA MISTA RESPONSÁVEL PELO SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUAS. E QUE, MESMO ASSIM, A TENDÊNCIA É MANTER O QUE ESTÁ ERRADO, SEJA NA MÁ GESTÃO, SEJA NA INSISTÊNCIA EM GRANDES OBRAS. PARA BOM ENTENDEDOR, O DESPERDÍCIO, A PERDA DE 50% DA ÁGUA TRATADA, É UM GRANDE NEGÓCIO PARA OS ADMINISTRADORES E ACIONISTAS DESSA EMPRESA! 

Solidariedade aos famintos e sedentos do Itaim Bibi e Morumbi.

Roberto Malvezzi (Gogó)

Toda a solidariedade aos famintos e sedentos do Itaim Bibi, Morumbi, outros bairros nobres e outras doze capitais brasileiras que fizeram um panelaço. De fato, não demarcar as terras indígenas, construir grandes obras para agradar as empreiteiras, cortar direitos dos trabalhadores, não fazer a reforma agrária, são exemplos típicos que merecem o povo nas ruas.

Mas, a fome e a sede excedem qualquer motivação das anteriormente citadas. Aqui pelo sertão do Semiárido Brasileiro lá pelas décadas de 1980 ainda tínhamos muita fome e muita sede. Vimos gente migrando, trabalhando em Frentes de Emergência, buscando uma lata d’água quilômetros distante de suas casas, saqueando cidades, morrendo literalmente de inanição, isto é, fome e sede. As principais vítimas eram as crianças e nossos índices de mortalidade infantil estavam em níveis da África Subsaariana. Agora não. Estamos nos níveis toleráveis dos padrões da ONU.

Impossível que alguém que ainda se julga humano não reaja indignado a tanta miséria e sofrimento. Hoje essas cenas macabras da miséria já não existem mais aqui em nossa região. Trabalho simples de captação de água de chuva, tanto para beber como para produzir, ajudaram a superar ao menos a fome e a sede. Problemas graves ainda existem, não mais essas desumanidades.

Portanto, se hoje a fome e a sede se deslocaram dos nossos sertões para o Itaim Bibi e outros bairros nobres de São Paulo – panelaço é uma forma de protesto de famintos e sedentos - e outras capitais, então, merecem todo respeito.  E merecem nossa solidariedade. Afinal, fome e sede tem que ser página superada da história e não voltarmos atrás, agora se replicando onde menos imaginávamos.

Portanto, estamos com todos aqueles que protestaram. Fome e sede nunca mais. 



Racionamento de água, incompetência e o Arco Metropolitano
Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
O Brasil detém, sozinho, 16% do total das reservas de água doce do planeta. Possui em seu território o maior rio e o segundo maior aquífero subterrâneo do mundo. Além de apresentar índices recordes de chuva.Mesmo assim suas maiores cidades sofrem racionamento, pois o Brasil não usa nem 1% do seu potencial de água doce e as grandes metrópoles enfrentam colapso no abastecimento deste bem tão precioso.
A explicação é uma só: o mau gerenciamento dos recursos hídricos pelo poder público – em todas as esferas de atuação. Não há proteção das nascentes, que sofrem com o desmatamento, e nem dos reservatórios naturais. Os rios estão degradados; os índices de perda de água nas empresas são assustadores;há um desperdício muito grande por parte da população, e na agricultura, onde ocorre mais de 70% do consumo, ainda se utiliza tecnologias do século passado – tudo contribui para o desperdício de água eo consumo excessivo de energia.
Obviamente a mercantilização da água tem provocado situações surrealistas. As empresas de água vão muito bem do ponto de vista financeiro, todavia a população acaba sofrendo as consequências de políticas voltadas a satisfazer os interesses dos acionistas (geralmente minoritários nas companhias), ávidos por dividendos crescentes.
Vejamos o caso da Compesa – Companhia Pernambucana de Saneamento – que se ocupa com acesso à água e com o esgotamento sanitário em praticamente todos os municípios do Estado de Pernambuco.
Criada em 29 de julho de 1971, pela lei estadual no 6307,é uma empresa de economia mista de direito privado, vinculada ao Governo do Estado de Pernambuco por meio da Secretaria de Recursos Hídricos e Energéticos. Tem como acionista majoritário o próprio Governo do Estado, que detém pouco menos de 80% das ações da companhia.
O desempenho financeiro da Compesa é “cantado em verso e prosa” pelos seus gestores. Apresentando faturamento crescente nos últimos anos, hoje, mais de 1 bilhão de reais anuais. Além de lucro líquido em torno de 100 milhões de reais, praticamente quatro vezes os resultados obtidos em 2010.
Mesmo com estes resultados financeiros, e os investimentos crescentes que passaram de R$ 35 milhões em 2010 para R$ 735 milhões em 2013, o nível de atendimento a população é sofrível. Há décadas, Recife e sua região metropolitana sofrem com o desabastecimento/racionamento de água,e com um saneamento deplorável, justificando os altos índices de doenças em sua população, transmitidas em grande parte pela falta de esgotamento sanitário.
Um exemplo da má gestão diz respeito ao índice de perdas.Enquanto a média nacional de desperdício de água tratada, devido às perdas por vazamento, é de 35% (muito superior à média de países europeus e o Japão, que é inferior a 5%), em Recife as perdas chegam a mais de 50%.
Com a justificativa de aumentar a base de investimentos e de permitir maiores investimentos, tentativas de privatização pelos governos estaduais já ocorreram. Foram rechaçadas pela população depois do exemplo desastroso ocorrido após a privatização da Companhia Energética de Pernambuco, a Celpe, em 2000.
Iniciamos 2015, e mais uma vez os problemas de fornecimento de água em Pernambuco se tornam críticos, como se já não fossem. A chamada crise hídrica atinge em cheio a capital pernambucana e sua região metropolitana, sem obviamente levar em conta o problema crônico que convive os municípios do agreste e do serão. Diante de reservatórios com pouca armazenagem de água, o governo estadual finalmente acorda para o problema.
A primeira atitude dos gestores, diante da própria incompetência,foi culpar São Pedro pela escassez das chuvas. Como o Santo não pode se defender, fica fácil esta transferência de responsabilidade. A segunda atitude, para mostrar serviço, foi apontar soluções imediatistas, como a construção de novas barragens e a transposição de águas, demonstrando sua incapacidade no planejamento de ações preventivas e mesmo corretivas, que com certeza minimizariam em muito os sacrifícios impostos à população.
O que fica evidente com a tragédia que se abate sobre mais de 110 municípios pernambucanos (2/3 do total), incluídos os da região metropolitana, tem origem no descaso e na falta de responsabilidade socioambiental daqueles que que ocupam cargos de governo.
No caso especifico da região metropolitana do Recife, o único reservatório no Litoral Norte que alimenta a Região Metropolitana do Recife é a barragem de Botafogo, que atualmente conta com menos de 15% de sua capacidade. Mesmo sendo uma área de proteção ambiental, protegida por lei, o entorno da barragem vem sendo desmatado há anos, com a cumplicidade dos órgãos públicos. Agora se verifica que, mesmo para precipitações consideradas normais na região, o nível de água do reservatório já não se recupera como antes.
Uma das medidas a médio prazo, das mais sensatas neste caso, seria o reflorestamento e a proteção do entorno da barragem e das nascentes que alimentam o sistema Botafogo. Ao invés disso lemos nos jornais a sanha economicista na discussão do trajeto do Arco Metropolitano.Sem dúvida um empreendimento inconteste diante do caos urbano existente hoje nesta região, e que irá minimizar o trafego na BR 101 e no grande Recife.
Alguns gestores ligados a interesses econômicos propõem um trajeto para o Arco Metropolitano que irá cortar justamente as nascentes que alimentam o Sistema Botafogo, fazendo com que a rodovia passe próximo à barragem, aumentando assim a especulação imobiliária e a ocupação do solo.
Existe em tudo isso um desejo implícito dos gestores de plantão em tornar a vida dos cidadãos cada vez mais difícil e insuportável. Contra isso a única solução é a mobilização e a pressão popular, que ao longo da história da humanidade tem se mostrado o único caminho da transformação. É como se diz, “unidos, venceremos!”.

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