domingo, 7 de novembro de 2010

ORFANDADE PARTIDÁRIA, CRIATIVIDADE CIDADÃ



Olá, amigos e amigas!

Segue uma reflexão sobre a situação de muitos cidadãos depois das últimas eleições, com destaque para o povo de Goiás.

Boa leitura!



Passadas as eleições, conhecidos os resultados, é tempo de avaliação crítica. Não no sentido negativo da palavra, mas na dimensão de ir além das aparências, identificar contradições, perceber novas potencialidades. Só assim a história continua fonte de sabedoria.

Quero analisar somente uma das realidades que o processo político recente tem revelado: a morte dos partidos políticos como mediadores de deferentes projetos de sociedade. Como expressou com lucidez Fábio Comparato em entrevista à Caros Amigos, todos os partidos renunciaram ao enfrentamento com a oligarquia; em sentido inverso, todos entraram em aliança com a oligarquia. O resultado só poderia ser esse: o reforço do caráter oligárquico da sociedade e do estado brasileiros.

Examinemos o que se passou em Goiás, tomando-o como um caso paradigmático. Os partidos que representam a oligarquia tradicional, o Democratas e o PSDB, saíram vitoriosos; os grupos de poder oligárquico estão tranquilos e felizes. Mas esses mesmos grupos se sentiriam ameaçados no caso da vitória da candidatura encabeçada pelo PMDB? Em nada, certamente, mesmo com a presença do PT como aliado. O que pode acontecer, então, é apenas que alguns grupos oligárquicos goianos sejam privilegiados pelo governo eleito.

Qual o principal motivo de tanta tranquilidade? Com toda certeza, a resposta está na voluntária submissão do PT aos comandos da política oligárquica goiana, comandada ora pelo PMDB, ora pelo Democratas, ora pela PSDB, ora pelo PP. Os partidos denominados radicais não assustam; seu restrito peso eleitoral serve como uma das demonstrações de que a democracia seria ampla, respeitadora até de propostas socialistas... Ao contrário deles, o PT de antes dessas eleições sempre foi combatido como uma ameaça, como uma força que devia ser derrotada.

De fato, durante algumas décadas o PT se apresentou como um partido de massas, uma proposta de transformação estrutural da sociedade através da participação democrática da cidadania no exercício do poder. Foi isso que assustou as oligarquias. A possibilidade de que a população descobrisse seu poder soberano numa sociedade democrática causava sensação de perigo. E de fato, se o PT tivesse seguido com fidelidade sua proposta inicial, a cidadania brasileira poderia ter avançado muito na participação efetiva nas decisões políticas; não apenas nos processos eleitorais, mas nas decisões em relação à definição das prioridades, à destinação dos recursos do orçamento, à definição, execução e monitoramento das políticas públicas.

Imaginemos apenas uma dimensão da realidade brasileira e goiana: a estrutura da propriedade da terra. Através da prática da participação real no exercício do poder político, a cidadania poderia exigir seu direito de participar da definição das leis que regulam a apropriação e o uso da terra, usando, por exemplo, o plebiscito, através do qual a cidadania se manifesta com soberania, isto é: quando a decisão por maioria só pode ser modificada por outro ato soberano, um referendo. Fácil perceber quanto essa possibilidade causava pesadelos nos grupos acostumados a legislar e a governar a partir de acertos entre eles próprios, poucos e bons, mantendo e reproduzindo, com atualizações, com modernizações conservadoras, ao passar do rural ao urbano, a política oligárquica.

Pois bem, o que aconteceu nos últimos anos? Para surpresa geral, uma maioria de “petistas novos” respaldou a incrível proposta de o PT aliar-se ao partido e ao candidato que o havia derrotado quatro anos antes, no segundo turno de uma candidatura à reeleição. Renunciou, com isso, sua relação com os cidadãos e cidadãs que haviam confiado nele como uma força política diferente, nas propostas e nas práticas administrativas, autônoma e em oposição franca à política tradicional goiana, geneticamente oligárquica. Ao aliar-se a um dos blocos da oligarquia deixou a sociedade goiana sem alternativas partidárias para a construção de algo novo em relação ao avanço real da democratização das relações sociais, da administração pública e da própria economia.

Não se sabe se houve petistas goianos que festejaram as derrotas experimentadas no recente embate eleitoral; é possível que sim, uma vez que alguns deles demonstravam sentir-se à vontade junto e promovendo seus anteriores “inimigos”. Uma coisa é certa, porém: tantos os oligarcas vencedores quanto os derrotados tiveram um motivo forte de celebração: o desaparecimento, a morte do PT como portador de uma proposta de exercício de poder com participação da cidadania, especialmente das forças sociais populares.

Aliás, a maior façanha das forças oligárquicas nos tempos recentes foi essa: colocar sob controle o potencial mobilizador e transformador do PT, levando-o a governar de forma tradicional, com arranjos e alianças institucionais, por cima; e isso vale, agora, para todo o país, também para o governo federal. E isso parece ter sido facilitado pelo próprio PT, uma vez que, quando assumiu responsabilidades de governo, promoveu processos participativos sem consequências reais na definição de suas prioridades e na sua implementação; exemplo magnífico disso têm sido as inúmeras conferências nacionais, já que seria muito fácil garimpar quantas e quais das suas propostas influíram no exercício de governo. Outro sinal dessa facilitação tem sido dado na busca de alianças com partidos claramente comprometidos com o agronegócio, com o capital industrial, comercial e financeiro, tudo em nome da governabilidade, e de um governo que, por não ter oposição real, não sente grande conflito ao implementar políticas limitadas de enfrentamento da pobreza e da miséria.

Há estudos acadêmicos que demonstram o descrédito dos partidos políticos junto à cidadania. No caso brasileiro, em seu lugar afirma-se o que se tem denominado “lulismo”: uma prática política de governo que recebe aprovação, ao mesmo tempo, de amplos setores dos mais empobrecidos e dos setores do grande capital. É o que leva Fábio Comparato afirmar que a sociedade brasileira está diante de um populismo muito mais efetivo do que o praticado por Getúlio Vargas.

A questão que fica é essa: quem responderá pelo descrédito da Política construtiva de uma sociedade em processo permanente de democratização? Quem responderá pelo prolongamento e aprofundamento da política oligárquica? Quem, de outra forma, assumirá a responsabilidade de aprofundar a exploração das energias da Terra, através de uma aceleração do crescimento econômico que mantém e aprofunda a desigualdade e a injustiça institucionalizadas?

O que resta esperar é que os órfãos desta experiência política precocemente transmutada em ferramenta de reforço à oligarquia avancem na consciência de que a democratização de uma sociedade é obra da cidadania, articulada através de muitas mediações, e não apenas por partidos políticos. E desejar que os petistas que ainda têm compromissos com a transformação democrática da sociedade brasileira se rebelem, exigindo mudanças no exercício de poder no interior do próprio partido, se isso for possível; se não o for, que se somem aos cidadãos e cidadãs que trilham outros caminhos de construção de uma sociedade realmente democrática.

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