Roberto Malvezzi (Gogó)
A teologia do Papa Francisco é refinada e não está ao alcance de qualquer teólogo. A acusação que ele sofre de não ser um teólogo, mas um pároco de aldeia, revela muito mais a ignorância de seus detratores do que o conhecimento teológico de Francisco.
Na Laudato Sí ele deixa claro, pelas citações que faz, qual é linhagem teológica que ele adotou para seu papado. Ao assumir o nome de Francisco, não assume apenas um nome, um ícone de grande parte da humanidade, um estilo de vida, um estilo de Igreja, mas uma linhagem teológica, isto é, a soterrada teologia franciscana ao longo da história.
A referência de Francisco começa com o teólogo franciscano São Boa Ventura, direciona-se na linha de outro franciscano chamado Duns Scoto, sem deixar de citar levemente seu irmão jesuíta Teilhard de Chardin. Mas, o que esses teólogos têm em comum?
O traço que os une é uma visão integral e integrada do Reino de Deus, sem rupturas ou dualismos, como é a teologia de Santo Agostinho no seu livro “Cidade de Deus”, onde ele vai defender a tese que há uma cidade dos homens e outra de Deus. A teologia dos teólogos acima – Teilhard era também antropólogo, arqueólogo, etc. -, olha o projeto de Deus em sua totalidade, do Deus que tudo cria, que dá um sentido ao Universo, mas que se insere no Universo através da pessoa de Jesus Cristo, aquele que é o único sacerdote, a ponte entre as criaturas e o Criador.
Duns Scoto (Doctor Sutilis) vai defender, seguindo essa teologia Joanina e Paulina, que “no princípio estava o verbo, era a luz dos homens, por ele tudo foi feito, alfa e ômega da criação” (Prólogo de João) e todas as demais metáforas que indicam nessa direção de um projeto único, que caminha para a plenitude (Pleroma em Teilhard de Chardin). Portanto, nessa teologia o centro do projeto de Deus não é o pecado, mas o amor. Jesus viria mesmo que não houvesse pecado humano, porque o projeto do Criador é unir, através de seu filho, todas as criaturas ao Criador.
Francisco sabe que está mexendo num vespeiro, com teologias curtas e reducionistas, que chegou ao ápice de pregar a cada ser humano o “salve tua alma”, não se importando com nada mais referente ao ser humano e ao conjunto da criação.
Sabendo disso, ele cria fatos aparentemente simples, mas eivados de significados, que só quem percebeu sua teologia, é capaz de compreender suas atitudes ou falas. Por exemplo, quando uma família levou um menino à sua presença que chorava a morte do cachorro de estimação. Então, Francisco o consolou dizendo: “o paraíso está aberto a todas as criaturas de Deus” ( http://zh.clicrbs.com.br/ ). Um fato prosaico e corriqueiro que serve para alertar que a ressurreição é de toda a carne, também dos animais.
Essa compreensão paulina que “toda criação geme em dores de parto esperando também ela pela redenção dos filhos de Deus” (Romanos 8,22), não é costume entre nós, embora no credo católico, como fundamento de fé, se diga que a ressurreição é a da “carne”, mas, de toda carne.
Em segundo, ao responder aos cardeais que o criticam que os princípios morais não são preto no branco, mas só compreensíveis no fluxo da vida, ele se coloca diante do grande Deus que se revela na pequenez de Jesus Cristo que, ao cruzar com os párias da sociedade de seu tempo, era capaz de curvar-se diante de cada situação humana.
Por isso, sabia que uns recebem a revelação explicitamente e desses mais será cobrado (Lucas 12,48). Outros o encontram no serviço aos pobres e desvalidos desse mundo (Mateus 25). Outros ainda poderão encontra-lo pelos caminhos da natureza. E tem ainda aqueles nascem e vivem em situação humana tão abjeta, tão alheia à própria vontade, que Deus nada lhes cobra (Mateus 21,31).
Ainda mais, quando fazíamos teologia, nos ensinavam que uma era a teologia, outra era a pastoral, isto é, na teologia os princípios são rígidos, na pastoral temos que nos curvar diante da condição humana.
Ora, para Francisco essa dualidade é perniciosa. Jesus curvava-se diante das situações concretas, portanto, há unidade intrínseca entre pastoral e teologia. Uma teologia que afronta a realidade misericordiosa de Deus tem que ser revista. Não é relativismo teológico ou moral, mas é a justiça divina que cobra mais de quem recebeu mais e, portanto, cobra menos de quem menos recebeu.
Portanto, a teologia de Francisco é sofisticada e cheia de nuances que só pessoas que tem um pé na realidade, assim como Jesus de Nazaré, são capazes de compreender.
Os teólogos por ele citados foram capazes de compreender o fluxo da vida, da história e do Universo, onde tudo ganha sentido no projeto do Reino de Deus.
É essa grandeza maravilhosa que Francisco gostaria que compreendêssemos e vivêssemos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário