A notícia do crescimento dos bens do ministro Paloci leva a uma reflexão mais aprofundada sobre a relação entre o serviço público e a iniciativa privada. O próprio Paloci, em sua justificativa, segundo o que foi noticiado, afirmou que o "valor das consultorias de um ex-ministro à inciativa privada é muito alto". É fato também o que foi referido por ele em relação a servidores públicos, inclusive alguns que aparentemente fracassaram em suas iniciativas, que se tornaram diretores, consultores ou qualquer coisa em bancos e grandes empresas em troca de remuneração quase esquisita.
Qual a razão disso? Não se pode dizer que estas pessoas se tornaram especialistas a partir de seu trabalho em instituições estatais. Afinal, segundo o noticiado, também o ex-presidente Lula anda recebendo em torno de R$ 200.000,00 por palestra de menos de uma hora; pelo que se sabe, Lula não fez nenhum curso de especialização. Partindo desta informação sobre Lula, a quanto chegarão seus ganhos em um ano? Em quanto tempo terá ele poder de compra de bens de igual preço dos referidos como propriedade de Paloci? Para chegar aos oito milhões referidos, basta que eles profira 40 palestras. Com três palestras por mês, em um ano ele chegará a 36...
Qual é o tema real do debate? É, sem a menor dúvida, a relação entre público e privado, dentro e fora das instituições do Estado. Sabe-se que o Estado, segundo a Constituição vi gente, deve zelar pelo bem público, pelo bem de todos os cidadãos e cidadãs do país. Sabe-se, igualmente, que muito recurso público é repassado a empresas privadas para a realização de obras e serviços. Sabe-se que, por isso tudo, as empresas pagam muito bem por serviços de lobistas, com o objetivo de ganhar a preferência na seleção dos que se candidatam a realizar essas obras e serviços. Por fim, sabe-se, e chega quase a ser considerado algo normal, que as empresas, e especialmente as maiores, tentam os servidores do Estado com propinas, tornando-se a parte ativa do que se conhece como corrupção.
Todo alto funcionário que deseja preservar seu nome evita aceitar o que é oferecido. Por outro lado, não poderia aceitar alguma propina ou boa remuneração futura, quando já não será funcionário público, para, em vista delas, favorecer determinada empresa ou grupo econômico?
Em todo este debate, o que aflora é o interesse dos grandes grupos econômicos de avançar sobre os recursos públicos de forma permanente: ganhando as licitações através de lobistas e/ou das propinas, ou tornando-se detentoras de informações privilegiadas. É isso mesmo: informações exclusivas, especialmente sobre os rumos da política econômica, são armas essenciais no jogo da concorrência, e são pagas regiamente.
É nesse contexto que deve ser analisado o "alto valor das consultorias" de ex-altos funcionários de governos: como o preço por esses serviços está muito acima do "mercado", que tipo de informações estão pagando os bancos e grandes empresas? Ou a que tipo de "favores" passados estão pagando?
As questões aqui levantadas não são julgamento concreto de ninguém; são apenas parte de um esforço sociológico para compreender o que se passa nas relações entre o que deveria ser público e o que é interesse privado em sociedades capitalistas, regidas pela denominada livre iniciativa, cada vez mais dominadas, contudo, por corporações com poder real que faz inveja a muitos países. E para deixar claro aos que desejam a existência de sociedades realmente democratizadas que só há um caminho para controlar e modificar essas relações: o crescimento da consciência e da prática da cidadania. Só um povo decidido a não desistir de seu caminho rumo ao autogoverno, submetendo as instituições estatais e a própria economia ao seu controle, será capaz de evitar a privatização do que é bem e serviço público, e de evitar igualmente a estatização das perdas e quebras das empresas privadas.
Algo nesta perspectiva aconteceu e continua em andamento na Islândia, um país que foi retirado dos noticiários da mídia mundial por ser considerado um "mau exemplo" para o enfrentamento das crises provocadas pelo capital financeiro no planeta. Este é, contudo, assunto para outro momento de reflexão crítica.
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