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Privatizar é ideal? 884 serviços caros e ruins foram reestatizados no mundo
Juliana Elias
Do UOL, em São Paulo 07/03/2019
Desde
2000, ao menos 884 serviços foram reestatizados no mundo. A conta é
do TNI (Transnational Institute), centro de estudos em democracia e
sustentabilidade sediado na Holanda. As reestatizações aconteceram com
destaque em países centrais do capitalismo, como EUA e Alemanha.
Isso
ocorreu porque as empresas privadas priorizavam o lucro e os serviços
estavam caros e ruins, segundo o TNI. O TNI levantou dados entre 2000 e
2017. Foram registrados casos de serviços públicos essenciais que vão
desde fornecimento de água e energia e coleta de lixo até programas
habitacionais e funerárias.
"A nossa base de dados mostra que as
reestatizações são uma tendência e estão crescendo", disse a geógrafa
Lavinia Steinfort, coordenadora de projetos do TNI, em entrevista
ao UOL. De acordo com ela, 83% dos casos mapeados aconteceram de 2009 em
diante.
Término de contratos de concessão que não são renovados
é a forma mais clássica de "desprivatização" que aparece entre os mais
de 800 casos levantados.
Rompimento antecipado de contrato, como
aconteceu com a PPP (Parceria Público-Privada) do metrô de Londres em
2010, e mesmo recompras milionárias de infraestruturas que haviam sido
vendidas, como vêm fazendo diversas cidades alemãs com suas
distribuidoras de energia, são outros tipos de reestatizações que também
estão acontecendo.
O levantamento do TNI encontrou processos do
gênero em 55 países em todo o globo. Alemanha, França, EUA, Canadá,
Colômbia, Argentina, Turquia, Mauritânia, Uzbequistão e Índia são alguns
deles.
Todos eles foram compilados no relatório "Reconquistando
os serviços públicos", e uma parte também pode ser acompanhada
pelo "Rastreador de remunicipalizações", mapa interativo do TNI com as
reestatizações do setor de água (ambos em inglês).
Veja abaixo exemplos nos cinco países que lideram a lista e o número de reestatizações já registradas em cada um deles.
Alemanha - 348 reestatizações
O
grosso dos processos na Alemanha aconteceu no setor de energia: dos
348 serviços que voltaram das mãos privadas para a estatal nas décadas
de 2000 e 2010, 284 envolviam abastecimento de eletricidade, gás ou
aquecimento. No geral, o governo havia vendido parte ou a totalidade das
redes municipais para investidores privados entre a década de 1990 e
início dos anos 2000, mas passou a comprá-las de volta de 2007 em
diante.
Foi o caso de Hamburgo, onde a população decidiu em um
referendo, em 2013, que queria a reestatização das redes locais de
energia. A compra custou mais de 500 milhões de euros.
Em Berlim,
por outro lado, o mesmo pleito foi a referendo também em 2013, mas
perdeu: embora 80% dos votantes tenham optado pela recompra da
distribuidora privatizada, menos de 25% dos eleitores foram às urnas, o
que não completou o quórum mínimo exigido.
França - 152 reestatizações
A
França foi uma espécie de estopim para os vários processos de
reestatização que começaram a se espalhar pela Europa depois que Paris,
em 2008, optou por não renovar a concessão dos serviços de água e esgoto
da cidade.
Eles eram desde 1985 administrados por duas
companhias privadas (a Suez e a Veolia) e passaram para a
responsabilidade da Eau de Paris, companhia municipal criada para
assumir o negócio e até hoje a responsável pelo tratamento de água da
capital francesa.
Um estudo de 2013 da entidade de defesa dos
consumidores UFC Que Choisir apontou que, consideradas as cidades
francesas com mais de 100 mil habitantes, aquelas com as menores tarifas
de água tinham gestão pública, enquanto as mais caras tinham,
majoritariamente, administração privada.
De acordo com o TNI, 152
serviços já passaram de volta da gestão privada para a estatal na
França, incluindo o saneamento de 106 cidades e o transporte público de
20 delas.
Estados Unidos - 67 reestatizações
Contratos de
água e de energia são alguns dos que foram revertidos em cidades
espalhadas por estados tão diversos quanto Flórida, Havaí, Minnesota,
Texas, Nova York e Indiana.
Uma das primeiras a fazer algo do
gênero, a cidade de Atlanta cancelou em 2003 a concessão de água feita
em 1999. O contrato era previsto para durar até 2019, mas reclamações de
falta de água e má qualidade o interromperam 16 anos antes. À época, a
companhia argumentou que se deparou com uma rede bem mais antiga e
custosa de se reparar do que o projetado no acordo.
Na ilha
havaiana Kaua, em 2002, foram os moradores que formaram uma cooperativa
(a Kauai Island Utility Cooperative) e compraram a companhia de energia
da cidade, que estava à venda. A gestão é feita pela cooperativa sem
fins lucrativos.
Reino Unido - 65 reestatizações
Um dos
primeiros países do mundo a elaborar e testar contratos de PPPs, o Reino
Unido foi também pioneiro em revisá-los: em 2010, a TfL (Transporte de
Londres, em inglês), a agência pública de transportes, anunciou o
rompimento da PPP para a expansão do metrô que tinha desde 2003.
A
cidade pagou 310 milhões de libras para comprar de volta a parte da
parceira privada, sob o argumento de que, sem a complexidade do contrato
misto, teria mais agilidade e menos custos para dar continuidade ao
projeto de melhorias e expansão no metrô londrino.
Os trilhos
nacionais também sofreram vai-e-vem: privatizados nos anos de 1990,
tiveram uma parte tomada de volta pelo governo em 2002, quando a
companhia que arrematou a gestão da infraestrutura, a Railtrack,
quebrou.
As viagens continuam sendo feitas por concessionárias
privadas, mas são pivô de um acalorado debate nacional atualmente:
segundo o jornal britânico Financial Times, as passagens custam, em
média, 30% mais na rede britânica do que em outros países da Europa.
Espanha - 56 reestatizações
A
distribuição de água também é um dos setores que está no foco das
prefeituras na Espanha --especialmente depois que, em 2015, o Tribunal
Superior de Justiça da Catalunha anulou a mega concessão da rede de
saneamento da região metropolitana de Barcelona feita três anos antes.
Além
de acusações de que o leilão não teria sido transparente, muitos
moradores sentiram também o peso no bolso: um levantamento do Tribunal
de Contas da Espanhamostrou que, em 2011, o custo médio por habitante da
manutenção das redes de água geridas pela iniciativa privada era 21,7%
mais caro que daquelas controladas diretamente pelo município.
Nas
contagens do TNI, 27 cidades espanholas já haviam tomado de volta suas
concessões de água em 2017. Energia, coleta de lixo e serviços que vão
de habitação a funerárias são outros que também foram revistos por
prefeituras do país.
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