terça-feira, 21 de março de 2017

DECLARAÇÃO DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE O DIREITO À ÁGUA

DIREITO HUMANO À ÁGUA
DECLARAÇÃO DE ROMA 2017

Declaração final do seminário ´O direito Humano à Água: contribuições e perspectivas interdisciplinares sobre a centralidade das práticas públicas na gestão dos serviços de água e saneamento, em que tive a alegria de participar, realizado nos dias 23 e 24 de fevereiro de 2017 na Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano e organizado pela Pontifícia Academia e a Cátedra do Diálogo e a Cultura do Encontro (de Buenos Aires, Argentina). A Declaração foi assinada por sua Santidade o Papa Francisco, pelos organizadores e participantes do seminário, como se vê no final do texto.

O Papa Francisco expõe, em sua encíclica Laudato Si´, as principais limitações ao direito humano à água, incluindo a falta de acesso à água potável e ao saneamento, as iniquidades persistentes a respeito da disponibilidade e qualidade do recurso. Além disso, refere-se às consequências negativas das secas e inundações na produção de alimentos, o agravamento de enfermidades relacionadas com a contaminação, e nos alerta em relação a uma “economia verde” que, com frequência, é verde não por ser ecológica, mas porque a sua mercadoria é a natureza.

A crise socioambiental que enfrentamos origina-se de uma ação humana irresponsável com o ambiente que teve como consequência a multiplicação de situações de injustiça socioambiental, de aumento da desigualdade e da pobreza e a falta de uma alimentação adequada. Cada vez mais, em todo o mundo a falta de acesso à água segura e a contaminação das fontes afetam, gravemente, a qualidade de vida das pessoas e, em particular, das mulheres, dos mais pobres e das populações mais vulneráveis. Além disso, milhares de pessoas em todo o mundo veem as suas vidas ameaçadas por exigirem o direito à água ou defenderem ativamente os recursos naturais.

Os modelos produtivos centrados nos combustíveis fósseis têm uma responsabilidade direta em relação ao aquecimento global. A mudança climática, da mesma forma que a escassez da água, é uma consequência da ação humana. A degradação do ambiente tem sido incrementada em escala exponencial, e o mundo enfrenta hoje as consequências de modelos econômicos de produção que “privatizam os ganhos e socializam as perdas”. Em regiões como a Amazônia a deflorestação e a contaminação das nascentes de água foram aceleradas nas últimas décadas como consequência do desenvolvimento de atividades minerárias, produtivas e a realização de obras de infraestrutura, dando origem a conflitos reais e potenciais de diversos tipos e escalas.

Muitas culturas, sociedades e religiões do mundo reconhecem a água como princípio espiritual e material da vida e como lugar de encontro. Reconhecem também que, no universo, tudo está interligado e que o cuidado dos bens comuns exige soluções baseadas na cooperação, na solidariedade e na cultura do diálogo. Sobre esta base devem ser construídos novos paradigmas em que a humanidade não pretenda um domínio ilimitado e desrespeitoso sobre a natureza, e sim que exerça uma responsabilidade coletiva.

As pessoas e os grupos mais afetados pela escassez de água e a falta de saneamento básico devem ser envolvidos nas transformações necessárias para garantir seu acesso universal. Cada pessoa, a partir de suas experiências, suas iniciativas e suas capacidades, é chamada a participar ativamente no cuidado da casa comum. Nas casas, bairros, cidades, regiões e países, com respostas e ações pequenas e grandes, somos chamados a garantir o acesso universal à água segura e ao saneamento, e exercer nossa responsabilidade com nossos semelhantes e com as gerações futuras.
Assegurar o direito à água segura é fundamental para o exercício de outros direitos como o da alimentação, da saúde e do bem-estar. Os direitos humanos proporcionam uma base normativa e constituem uma fonte de autoridade e legitimidade para tornar efetivo o acesso universal e equitativo a este recurso. O direito à água potável e ao saneamento, presente em pactos, instrumentos e declarações internacionais, é indispensável para o desenvolvimento da vida humana. Por isso, não admitem discussão em relação ao seu reconhecimento como direito humano fundamental.
Mesmo sendo esse um desafio enorme, contamos com a solidariedade e a sensibilidade coletiva, fruto do diálogo de filosofias, saberes, espiritualidades e epistemologias. Existem hoje múltiplas e valiosas experiências e iniciativas orientadas ao cuidado da casa comum. Temos hoje uma melhor compreensão do problema, que não prioritariamente de escassez, e sim de uma gestão inadequada do recurso. Sabemos que o uso dos combustíveis fósseis na geração de energia contribui com as mudanças climáticas. Contamos com um importante acevo científico, bem como tecnologias, para a geração de energia limpa que pode ajudar a mitigar o aquecimento global. Sabemos o que se deve fazer: pensar em outro paradigma de desenvolvimento centrado no cuidado da casa comum e na solidariedade, equidade e justiça no uso e gestão da água.
Muitos dos atuais sistemas econômicos e produtivos, e os modos de vida e de consumo, degradam o ambiente. Necessitamos de uma educação que contribua para uma mudança cultural em relação ao reconhecimento do outro e da defesa da água e dos ecossistemas; necessitamos uma urgente mudança cultural em que a ciência e a tecnologia possam dar contribuições fundamentais na preservação da água e de seu uso universal. Para proteger os bens comuns é necessário contar com ferramentas jurídicas mais eficazes. A perspectiva de direitos humanos pode fazer a diferença: evitar que o serviço da água e saneamento caia no controle de grupos de poder, e que, em vez disso, constitua uma obrigação juridicamente vinculante.
Necessitamos de governos que tenham vontade e força política e que possam gerar as mudanças necessárias seguindo o imperativo moral dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, aprovados depois do discurso do Papa Francisco à comunidade internacional, de modo especial nos pontos 6 a 14. Isto exige um compromisso coletivo em favor da construção de políticas públicas globais, estatais e locais que incorporem mecanismos de participação reais e efetivos para o exercício pleno da cidadania e do cuidado dos bens comuns. É urgente, hoje, alcançar consensos sobre modelos de governança que permitam a favoreçam a formação de uma autêntica cultura da água. Além disso, os governos devem garantir a segurança e a vida de todos os que trabalham pelo direito à água e pela preservação da natureza.
O reconhecimento dos direitos deve ser complementado com as responsabilidades da ação por parte de todos os setores. Isto implica mudanças em estilos de vida, produção e consumo, assim como o desenvolvimento de energia renováveis e limpas. A garantia de água segura em quantidades necessárias, a coleta das águas servidas e sua destinação em lugares ambientalmente adequados, contribuem com o cuidado da casa comum e à dignidade das pessoas e leva à construção de cidadanias responsáveis com as gerações presentes e futuras.
Cada um de nós, cientistas, empresários, trabalhadores e toda a humanidade, devemos tomar consciência de que a mudança climática exige medidas concretas e urgentes. Em sua encíclica, o Papa Francisco propõe a construção de uma ecologia integral no cuidado da casa comum, convidando a uma mobilização coletiva e articulada em defesa do acesso universal à água segura em que devem participar os governos, as instituições, o setor privado, os trabalhadores e as sociedades de todo o mundo. Assumir o compromisso colaborativo e a ação coletiva é necessário para evidenciar a urgência da mudança da racionalidade instrumental na direção de uma verdadeira solidariedade intergeracional. Fazemos um chamado a implementar uma Ecologia integral, que incorpore a dimensão ambiental, econômica, social e cultural, e que contribua com a construção de uma cultura do encontro em torno à água e ao saneamento como direitos universais. A ciência, a cultura, a política e a tecnologia podem contribuir para que tenhamos de sociedades mais justas, solidárias e equitativas comprometidas com o cuidado da casa comum. 
ASSINANTES:
Papa Francisco -  Card. Claudio Hummes -  Mons. Marcelo Sánchez Sorondo – José Luis Lingeri -  Luis Liberman – Gabriela Sacco
Jerónimo Ainchil - Alejandra Alberdi - H. Dogan Altinbilek - Cristian Asinelli - Juan Ayala - Adrián Bernal -  Asit Biswas - Emilia Bocanegra - Rutger Boelens - Valeria Bubas - Rebeca Céspedes - Keshav Chandra - Michael Cohen - Ismael Cortazzo - Elena Cristofori -  Emilio Custodio - Magalid Cutina - Leandro Del Moral - Gabriel Eckstein - Emanuele Fantini - María Feliciana Fernández García -  Ana Ferreira - Alfredo Ferro - Héctor Floriani - Enrique García - Alberto Garrido - Peter Gleick - Adrián González - Quentin Grafton - Joyeeta Gupta - Pedro Hughes - Giulia Lanzarini - Marcelo Lorelli -  José Luis Inglese - José Paulino Martínez Cabrera -  Ugo Mattei - Hugo Maturana - David Molden - Alberto Monfrini - Daniel Nolasco - Virginia Oliver - Rosa Pavanelli - Ivo Poletto - Pedro Romero - Carlos Salamanca - Farhana Sultana - Danya Tavela - Cecilia Tortajada - Jorge Triana Soto - Jerry van den Berge - Gianni Vattimo - Virgilio Viana - Alessia Villanucci - Martin Von Hildebrand - Aaron Wolf - Ana Zagari - Christian Ferrando – Christ:iane Torloni - José Romero - Laureano Quiroga- María Inés Narvaja.



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