Ao Episcopado Brasileiro
Caros irmãos bispos,
Em nome da Comissão Pastoral da Terra, de nossa solidariedade cristã ("estive preso, e fostes visitar-me" Mt 25,35), visitamos o preso José Valdir Misnerovicz, um dos dirigentes nacionais do MST, com atuação em Goiás. Foi preso no último dia 31 de maio, em Veranópolis, RS, e se encontra no Núcleo de Custódia de Segurança Máxima, em Aparecida de Goiânia, na grande Goiânia, reservada a presos de alta periculosidade. Pela primeira vez, uma ação do MST foi enquadrada na Lei no 12.850/2013, que tipifica as organizações criminosas.
O que gerou a prisão de Valdir?
A decisão judicial origina-se de uma ocupação por mais de 1.500 famílias ligadas ao MST de uma pequena parte da Usina Santa Helena, em Santa Helena de Goiás, GO, em recuperação judicial. A usina faz parte do grupo econômico NAOUM, processado pela prática de diversos crimes, entre os quais de descumprimento das obrigações trabalhistas. Sabe-se que há mais de duas mil ações trabalhistas em curso contra o grupo. Os antigos administradores também foram condenados pela prática do crime de apropriação indébita de contribuições sociais, pois descontavam dos funcionários as contribuições devidas e não as repassavam aos cofres públicos (TRF 1 a Região Processo no 1999.35.OO.0001046-O/GO).
Além disso, o grupo deve em obrigações tributárias mais de um bilhão e duzentos mil reais. A Fazenda Pública Federal manifestou interesse em destinar o imóvel para a Reforma Agrária
Foi então que os trabalhadores sem terra ocuparam parte do imóvel, no exercício de um legítimo direito da cidadania de pressionar pelo cumprimento de um dever não cumprido do Estado. Contra eles foram movidas duas ações de reintegração de posse. Após os despejos, os trabalhadores voltavam a ocupar. Daí se seguiu que no dia 14/04/2016, foi expedido mandado de prisão contra os agricultores Luiz Batista Borges, Diessyka Santana e Natalino de Jesus, integrantes do acampamento Pe. Josimo e José Valdir Misnerovicz. Luiz, ao atender convite para prestar esclarecimentos na delegacia local, foi detido e se encontra preso em Rio Verde, GO.
A decisão judicial, ao que tudo indica, aconteceu por pressão de ruralistas, muito fortes no estado. Dois dias antes, em 12 de abril, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás, havia baixado a portaria n. 446, que impunha estado de prontidão às polícias Civil e Militar em vista de uma suposta "proteção da ordem pública e da paz social", para acompanhar "possíveis delitos em conflitos urbanos e rurais".
Enquanto visitávamos Valdir, acontecia no Tribunal de Justiça do Estado, o julgamento do
Habeas Corpus pedindo liberdade para o agricultor Luiz Batista Borges, por falta de prova material
do seu envolvimento nos crimes imputados. O Desembargador relator indeferiu o pedido mantendo a prisão do agricultor, voto acompanhado por outros três desembargadores. O quinto pediu vistas.
Fica claro que o sistema pretende a criminalização dos movimentos sociais e de suas lideranças.
Goiás está servindo como laboratório para o tratamento das ações dos movimentos daqui para frente, nesta conjuntura nacional ainda mais anti-social que estamos vivendo. A decretação destas prisões é a sinalização clara que o mesmo tratamento poderá ser dispensado a quem se atrever a praticar ações parecidas.
Caros irmãos bispos, o que nos move neste comunicado é o sentimento de solidariedade com os que sofrem a perseguição e a injustiça. Trata-se de nós, como pastores, refletirmos e tomarmos posição diante dessa e de outras situações que certamente se repetirão. Este fato mostra a real intenção dos detentores do poder. Quem é a classe dominante que quer calar não só os movimentos, mas também aqueles que os apoiam, inclusive a própria Igreja?
Não são os trabalhadores sobre os quais pesa a sentença judicial que estão sendo julgados. São os movimentos que lutam por Reforma Agrária, por direitos. É o MST. Como bem nos disse Valdir, não sou eu, mas é o MST que está preso. Uma visita a mim é uma visita ao MST.
Segundo o arcebispo de Goiânia Dom Washington Cruz e o emérito Dom Antonio Ribeiro, a quem visitamos hoje pela manhã, Valdir é uma liderança que goza de grande apreço. Em carta dirigida a Valdir, o arcebispo o trata como filho e diz: "por ele coloco minha mão no fogo". E ainda ressalta a sua qualidade, várias vezes comprovada, de grande mediador de conflitos.
Irmãos, nestes tempos sombrios não perdemos a esperança, porque como disse o Mestre "Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da Justiça porque deles é o Reino dos Céus". (MT 5,10)
Goiânia, 07 de junho de 2016
Dom Enemésio Lazzaris Dom André de Witte
Bispo de Balsas, MA Bispo de Ruy Barbosa, BA
Presidente da CPT Vice-presidente da CPT
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