‘Pobreza e clima são um problema humanitário’, diz diretor da ActionAid
Adriano Campolina
alerta para ‘tragédias silenciosas’ em países pobres
POR RENATO GRANDELLE
06/02/2016
6:00 / atualizado 06/02/2016 7:35
Diretor-executivo da ActionAid, Adriano Campolina defende que o
aquecimento global e a situação nas favelas estão interligados e destaca as crecentes
“tragédias silenciosas”, que dizimam as populações pobres e forçam sua migração
para locais onde não têm direitos reconhecidos.
Em janeiro, no encontro anual do Fórum Econômico Mundial, as mudanças
climáticas foram apresentadas como uma das maiores ameaças ao planeta. A
diplomacia internacional está finalmente se movimentando para lidar com este
tema?
A diplomacia
acordou meio devagar, ainda está preguiçosa. Já reconhece o aquecimento global
como um problema, mas ainda não teve capacidade de fazer acordos
suficientemente ambiciosos que promovam reações à altura. Atualmente, não temos
armas para enfrentar este dilema da Humanidade.
Por que os pobres serão as primeiras
vítimas das mudanças climáticas?
Porque são eles que ocupam os
territórios mais vulneráveis aos eventos extremos, como a beira de rios, a
encosta de morros, as áreas do semiárido com menor disponibilidade de água. Em
todos os países do mundo, as melhores áreas para a agricultura e os terrenos
mais seguros da cidade são ocupados por pessoas de maior poder aquisitivo. O Rio
é um exemplo clássico. Nas favelas há uma gradação de pobreza. Quanto mais alta
é uma casa, mais sujeita ela está ao deslizamento de terra, e mais miserável é
aquela população.
O aquecimento global contribui para um
ciclo vicioso que envolve pobreza e preconceito?
Sim. Em Bangladesh, por exemplo, o
aumento do nível do mar fez diversas comunidades trocarem a atividade agrícola
pela criação de camarão, e este trabalho foi assumido pelas mulheres, que
tiveram problemas de pele devido à exposição à salinização excessiva. Os
maridos, então, as rejeitavam. Além de mudanças na atividade econômica, o clima
também pode forçar o deslocamento da população, aumentando a disputa por
recursos. A sociedade fica desestruturada, aumenta a violência contra as
mulheres, o casamento de adolescentes — todos expostos a um processo cada vez
maior de discriminação.
Como podemos diferenciar o refugiado
climático das populações que deixam sua terra por outros motivos?
A fuga da guerra é um caso óbvio. É
maciça, quase imediata e pode ter características étnicas. Cem mil pessoas
saíram dos conflitos no Burundi e foram para Tanzânia e Ruanda, por exemplo. No
caso dos refugiados climáticos, a migração é a conta-gotas. Uma comunidade pode
resistir à seca por alguns anos antes de deixar sua terra. É um movimento
devagar a curto prazo, embora tenha um volume significativo. Os refugiados
climáticos não rendem manchetes de jornal, não são uma multidão que cruza a
fronteira de um dia para o outro. Não há uma resposta rápida dos governantes e
a sociedade não mobiliza recursos. Esta população invisível deixa seu país
miserável por uma situação ainda pior, porque não conta com a proteção do
Estado e não tem seus direitos reconhecidos. Se não houver um forte combate às
mudanças climáticas, acredito que este fenômeno será cada vez mais comum e
acelerado.
É possível falar da pobreza sem debater
o clima?
Não. Pobreza e clima estão interligados
e são um problema humanitário. Um terremoto é visível e causa muita comoção,
mas percebemos, nos últimos anos, a ampliação das emergências silenciosas. Por
isso trabalhamos cada vez mais com medidas que contenham o choque climático,
como o uso de variações de produtos agrícolas tolerantes à seca, métodos de uso
e conservação do solo que tornem a exploração do campo menos sujeita ao excesso
de precipitações, métodos de captação da água da chuva em telhados.
Como é a relação entre justiça social e
aquecimento global no Brasil?
Estamos em um dos países mais desiguais
do mundo. O nível de pobreza e injustiça social é secular. Mas o Brasil é uma
das poucas nações que, nas últimas décadas, conseguiu aliar crescimento
econômico e distribuição de renda. Demos alguns passos na direção correta. A
sustentabilidade deixou de ser um discurso de meia dúzia de pessoas e
transformou-se em um debate nacional. Nossa economia pode ser transformada a
partir da matriz energética pouco poluente, da diversidade geográfica e da
extensão territorial.
Que efeitos as mudanças climáticas
podem trazer para o país?
As estatísticas da ONU mostram que a
perda da safra de grãos pode chegar a R$ 7,4 bilhões em 2020 e até R$ 14
bilhões em 2070. Com a estiagem, diversas culturas teriam reduções na área de
plantio, como o arroz, feijão e café. Os pequenos agricultores, que não têm
dinheiro para comprar um aparelho de irrigação, serão as maiores vítimas. É um
perigo para todo o país, porque os agricultores familiares são justamente
aqueles que produzem a maior parte dos itens que compõem a cesta básica.
Qualquer impacto em sua área de trabalho vai repercutir no preço e na
alimentação de todos.
Estas populações serão beneficiadas
pelo acordo contra as mudanças climáticas estabelecido no fim do ano passado em
Paris?
Não acho que este documento percebeu a
gravidade do problema. Foi importante ver que existe um consenso mundial, mas
ele foi nivelado por baixo. Há um hiato entre a ambição e a realidade do
acordo. Fala-se em conter o aquecimento global em até 2 graus Celsius, mas as
metas apresentadas pelos países indicam que o aumento da temperatura pode
atingir a marca de 3 graus Celsius. Também que não foram criados mecanismos
legais para conferir o que cada país cumprirá.
Os países pobres terão financiamento
para adaptar sua economia às mudanças climáticas?
Não, o acordo não foi justo. Os países
ricos dizem no texto que não precisam compensar os danos sofridos pelas nações
pobres. Assim, o financiamento, que é um ato de justiça e uma obrigação
histórica, transforma-se quase numa ação de caridade. Um acordo só poderia ser
bem-sucedido se houvesse um compromisso com aquela mulher excluída de
Bangladesh. Isso não aconteceu.
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