sexta-feira, 10 de julho de 2015

II ENCONTRO INTERNACIONAL DE MOVIMENTOS SOCIAIS

II ENCONTRO INTERNACIONAL DE MOVIMENTOS SOCIAIS
Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, de 7 a 9 de julho de 2015
A reflexão foi centrada em torno dos três eixos: Terra, Trabalho e Moradia.

TERRA

Absolutamente mal distribuída; ou apropriada autoritariamente por quem tem poder econômico, e, por isso, produzindo uma concentração em grandes propriedades correspondendo à concentração da riqueza em todo o planeta. Toma a forma de escândalo, sinalizando que há profunda divisão no seio da espécie humana: em torno de 52 empresas controlam a riqueza material e financeira. Entre elas, estão as que encabeçam e concentram o sistema de agroindústria, mais conhecido como agronegócio. São grandes laboratórios, de onde saem as sementes transgênicas e todos os insumos, na verdade, venenos, que chegam até as pessoas depois de contaminar solo, subsolo, aquíferos, atmosfera. Tudo somado, incluindo o transporte e consumo de energia, cabe a este sistema a maior responsabilidade pela contaminação da atmosfera, pelo aquecimento que agrava as mudanças climáticas.

Por outro lado, mesmo com pouca terra, na forma comunitária ou de pequenas propriedades, a agricultura indígena e camponesa produz alimentos para mais de 70 por cento da população mundial. Por isso, não passa de ideológica a afirmação de que o sistema agroindustrial seria necessário para alimentar a humanidade; o pouco que contribui, introduz mais doenças e cânceres do que saúde.
Diante desse quadro, afirma-se cada dia mais a proposta dos indígenas e camponeses de que se faça uma redistribuição da terra para agricultura, dedicando a não necessária à recriação de florestas; e que se promova, como processo de educação para um tempo de vida nova, com nova cultura de produção e de consumo, a agroecologia, pois ela se soma às práticas que reequilibram as relações com a Mãe Terra.

TRABALHO

Sem trabalho, não existem pessoas humanas. Ele é característica do ser humano, de sua criatividade, de sua relação com a natureza, com sua capacidade de cultivar e produzir a reprodução de sua vida. E mais, o ser humano cresce e se realiza através do trabalho em todas as suas formas.

O trabalho, no tempo histórico em que dominam os sucessivos ciclos do capitalismo, foi separado da pessoa e tornado uma mercadoria essencial para gerar concentração de lucros por meio do roubo da mais valia, a maior parte do resultado do trabalho individual ou coletivo. As relações socioeconômicas baseadas nessa prática se tornam fonte de alienação: tanto o trabalhador perde relação com o fruto de seu trabalho, como vai perdendo a consciência de que ele e eles são a fonte real da produção, avançando a ilusão de que ela seria obra dos compradores e exploradores de trabalho.
Por isso, um dos grandes desafios a serem enfrentados para construir o novo mundo possível é a libertação do trabalho, a reapropriação por parte da pessoa do sentido e do valor de sua capacidade criativa, de seu trabalho. Sem isso, será impossível avançar na direção de sociedades construídas com relações realmente livres, transparentes.

É por isso que no 1º e no 2º Encontro Internacional de Movimentos Sociais esta é uma das denúncias, das reivindicações e das afirmações concretas mais fortemente apresentadas. Denúncias dos maus frutos da exploração do trabalho como mercadoria, que aparecem na forma de concentração da riqueza e poucas mãos e da geração da pobreza, da miséria e da fome para a maioria da população mundial. Reivindicação em favor das formas livres e cooperativas de trabalho, e da revalorização do trabalho em iniciativas maiores, com salários que efetivamente garantam vida de qualidade do trabalhador/a e sua família. Afirmação concreta do que já está sendo construído, no campo e nas cidades, de formas de trabalho realmente cooperativas, no que se conhece como economia solidária.

Evidentemente, o avanço desta construção de um mundo construído com trabalho libertado e com relações transparentes demanda aprender com processos políticos que possibilitaram redefinições do caráter do Estado, através especialmente das dinâmicas educativas dos processos constituintes. Isso se vai comprovando como uma condição para redefinir as relações entres as pessoas e com a natureza, reconhecida como Mãe Terra pela contribuição das culturas de Bem Viver dos povos indígenas.
Para os países que ainda não realizaram um processo constituinte conquistado pelos movimentos sociais, apresenta-se um desafio essencial: unir os movimentos sociais, superando os particularismos, em torno de um projeto prático de construção de uma sociedade assentada sobre o trabalho libertado, com governos submetidos ao controle e poder soberano dos cidadãos/ãs, com políticas que efetivamente priorizem processos de mudanças estruturais, tendo por base formas de produção e consumo centradas na reeducação promovida na conquista da libertação do trabalho.
Para os países que já realizaram processos constituintes e redefiniram os fundamentos, valores e finalidades do Estado com representação real de seus povos, continuam tendo novo desafio: a promoção de políticas públicas efetivamente coerentes com a nova Constituição. É essencial que a urgência de gerar recursos para dar conta dos custos públicos da dívida e das políticas sociais não continue como justificativa, por exemplo, para a manutenção e até multiplicação de inciativas de extração de fontes fósseis de energia: petróleo, gás, carvão, bem como para a multiplicação de mineração. Estarão sendo, dessa forma, respeitados e garantidos os direitos da natureza, da Pachamama?

A busca desta coerência passa pela promoção de outras formas de trabalho, que se multiplicarão através da promoção de outras fontes de energia, de modo especial através do sistema descentralizado de produção e uso de energia, relacionando com fontes mais limpas, abundantes em todos os territórios, como o sol, os ventos, o movimento natural de águas, a biomassa que pode gerar biogás...
Na realidade, estes processos demandam e dependem de que os movimentos sociais construam seu projeto de sociedade e de mundo, com as qualidades sociais e ecológicas desejadas.   

MORADIA

Definir a moradia como direito social básico exige, como condições prévias e permanentes, a democratização do acesso à terra e a garantia de oportunidades e valorização do trabalho, para que as pessoas e famílias possam viver com dignidade. Por outro lado, é fundamental ter presente, no planejamento de uma política pública de habitação, que moradia é mais do que a construção da casa; ela de ser entendida como habitat, como um conjunto de iniciativas sociais no mesmo espaço em que está a casa e um conjunto de casas: serviços de água, tratamento de esgotos, espaços de lazer, ruas e praças, transporte, energia...

A existência de uma política de habitação que reconheça e garanta a moradia como um direito básico para a vida exige, como condição prévia, que seja relativizado o direito à propriedade. Na verdade, o direito à moradia deve ser anterior à propriedade privada. Sem isso, a tendência é que os proprietários alarguem o controle dos espaços no território, provocando permanente especulação, o que impede a maioria de alcançar o terreno urbano através da compra e torna muito cara a eventual política pública de habitação. A melhor alternativa é definir a terra como espaço comum dos seres vivos, entre eles os humanos, e só admitir a posse individual quando isso torna aquele espaço uma fonte de resposta a necessidades sociais. Isso possibilita que todos tenham espaço para construir sua casa, bom como que comunidades e povos possam ter garantida a posse de seus territórios, prevalecendo o comunitário sobre o individual.

Outro desafio debatido é o das práticas de políticas habitacionais que transformam a construção de casas populares um bom negócio para empresas de construção, com projetos que atendem ao seu objetivo de lucro, e nos quais não há nenhuma participação dos que viverão nelas. Os movimentos sociais de luta por moradia defendem que os projetos devem ser elaborados com a participação das famílias; na verdade, o melhor caminho é que o projeto sela elaborado pelas comunidades que terão seu direito de moradia garantido, pois assim terão a marca da cultura local, as casas serão projetadas de forma adequada às necessidades reais e serão garantidas as demais obras que configurem um ambiente real de moradia, de lugar de vida entre as pessoas e de relação harmoniosa com a natureza.

A RELAÇÃO COM O PAPA FRANCISCO

As referências são de alegria por ver a real parceria já existente e que vai se aprofundando entre o Papa Francisco e os movimentos sociais populares do mundo. Da mensagem do Papa, os destaques são suas falas no I Encontro Internacional realizado no Vaticano e sua Encíclica Laudato Si´, sobre o Cuidado da Casa Comum. Todos encontram neles estímulos para compreender de forma crítica a realidade em que vivemos, alimento para a espiritualidade e mística necessária para as lutas populares, bem como pistas de ação. Em muitos aspectos, os movimentos sociais percebem que suas reflexões e formas de ação são acolhidos, reconhecidos, reforçados, o que favorece a perspectiva de consolidação da parceria.

As temáticas do atual II Encontro deverão ser sistematizadas num documento que será entregue ao Papa, em mais um passo de intercâmbio, de entreajuda, pois tanto o Papa deseja as contribuições dos movimentos sociais para a sua missão, como os movimentos sociais esperam e desejam seu apoio.
O que resta desejar é que esse processo novo e, segundo algumas das intervenções, revolucionário, realize suas potencialidades, na certeza de que será um serviço positiva à vida da humanidade.


            Ivo Poletto, do Fórum MCJS, a partir de Santa Cruz de la Sierra 

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