segunda-feira, 25 de março de 2013

É BOM PARA O BRASIL O AUMENTO DA MINERAÇÃO?

Participei, no dia 22 de março, de uma reunião com o objetivo de criar uma articulação e possível ação conjunta de entidades, pastorais e movimentos que, de alguma forma, têm relação com o que está acontecendo com a mineração em nosso país. A decisão foi a de aprofundar o intercâmbio de pesquisas e dados, avançando na direção de ações conjuntas, tendo presente os poderosos interesses ligados ao avanço da mineração de exportação, especialmente na Amazônia.

A Carta Aberta da CNBB, que segue, serviu de base para esse esforço de articulação. Sem sombra de dúvida, se os pedidos de lavra existentes forem efetivados, a mineração aumentará sua contribuição ao Produto Interno Bruto, mas significará também um avanço impressionante na direção do desmatamento e da destruição do que a Amazônia ainda é hoje. Pelo que sabe, o governo federal, contradizendo seu pretenso discurso ecologicamente correto voltado para o exterior, quer dar mais uma contribuição a esse setor do crescimento econômico: a publicação, talvez por Medida Provisória, do novo marco regulatório da mineração, abrindo para ela as reservas ambientais, os territórios indígenas e tudo mais que for necessário, anulando as leis que já determinam que os povos indígenas devem tem o direito de aceitar ou não esses negócios capitalistas. Coerentemente, os planos decenais da Agência Nacional de Energia Elétrica ratificam que, para fornecer a energia necessária para essa expansão, devem ser construídas, com apoio de recursos públicos, grandes e médias hidrelétricas na Amazônia. 

Em outras palavras, o governo está colocando o Estado brasileiro a serviço da espoliação das riquezas naturais, em nova avalanche de exportação de minérios. Quem ganhará com isso? Com certeza não os povos indígenas e demais comunidades tradicionais amazônidas. Menos ainda o ambiente vital do bioma Amazônia e, por isso, nem os povos do Brasil nem os do mundo todo, já que, com o desequilíbrio amazônico, todos sofrerão com o agravamento das mudanças climáticas.

É realmente urgente criar esta articulação de forças sociais contra essa nova febre colonial de mineração, e em favor da redefinição concreta do que necessitam as pessoas humanas da Terra para serem felizes. Se for desmontada a gula absurda das empresas capitalistas por lucros infinitamente crescentes, haverá real necessidade de todos estes minérios, de todas esta energia, do sacrifício do que resta das florestas tropicais?

Uma vez mais, a prática efetiva da democracia pode e deve ser o caminho para que nós, brasileiros e brasileiras, participemos da definição do que é melhor para nós e para a humanidade. Os governantes, por maior que tenha sido o percentual dos votos que lhe concederam por um tempo o poder político, não receberam da cidadania um cheque em branco; como a mineração não foi sequer lembrada nos debates e promessas eleitorais, não deveria haver uma consulta à soberania popular para decidir se o Brasil deve ou não extrair e entregar aos grupos econômicos mundiais suas riquezas naturais, exportando com elas água, floresta, energia? Melhor ainda, não deveria haver um debate amplo e uma decisão da soberania popular sobre o tipo de sociedade, incluindo o tipo de economia, que os povos do Brasil querem? 



CARTA ABERTA DA CNBB SOBRE O MARCO REGULATÓRIO DA MINERAÇÃO

A necessidade de reformular a atual lei que regulamenta a mineração no nosso país levou o governo a elaborar o novo Marco Regulatório da Mineração que, brevemente, deverá ser enviado para aprovação do Congresso Nacional. Nós, bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reconhecendo a importância da atividade mineradora e a sua regulamentação, julgamos oportuno trazer a público nossas preocupações com relação à nova lei que está sendo proposta.

Devido à amplitude da lei, consideramos de fundamental importância que se promova um amplo debate com a sociedade e as populações a serem impactadas pelas atividades mineradoras. A ausência do debate público, percebido até o momento, impede a população de conhecer e opinar sobre assunto de grande relevância social e ambiental, que tem efeitos diretos em sua vida.

Vivemos numa crescente demanda por apropriação dos bens naturais em nível global, transformando-os em mercadoria e assumindo-os como uma oportunidade de negócios. O governo, por sua vez, vê na extração mineral um dos pilares para sustentar o modelo de desenvolvimento econômico em curso no país, baseado no sistema de commodities.
O aumento de preços dos minérios desperta o interesse tanto do governo quanto das mineradoras, tornando-se, assim, motivação maior para o novo Marco Regulatório da Mineração. Reconhecido seu interesse público, a nova lei, acima de tudo, prioriza o aspecto econômico da extração mineral, em detrimento dos aspectos sociais, ambientais, espirituais e culturais dos territórios e de suas populações.

Preocupa-nos a proposta, no novo Marco Regulatório, da criação das áreas de relevante interesse mineral e das regiões de interesses estratégicos. Nestas áreas a mineração seria feita a partir de procedimentos especiais que podem ferir o bem comum, além de provocar uma inversão de prioridade entre os direitos individuais e coletivos e o interesse econômico, público e privado.

A exploração mineral é uma atividade que provoca impactos em povos, comunidades e territórios, gerando conflitos em toda sua cadeia: remoções forçadas de famílias e comunidades; poluição das nascentes, dos rios e do ar; degradação das condições de saúde; desmatamento; acidentes de trabalho; falsas promessas de prosperidade; concentração privada da riqueza e distribuição pública dos impactos; criminalização dos movimentos sociais; descaracterização e desagregação sociocultural.

Esclareça-se que “a programação do desenvolvimento econômico deve considerar atentamente a necessidade de respeitar a integridade e os ritmos da natureza, já que os recursos naturais são limitados e alguns não são renováveis” (João Paulo II, A solicitude social n. 26).  “Toda utilização da natureza, todo o progresso ou desenvolvimento econômico feito às custas de sua destruição está marcado pela loucura que gera morte” (Nota da CNBB ‘Ouvir o eco da vida’ – 1992).

A mineração em terras indígenas é outra grave preocupação suscitada pelo Projeto de Lei 1.610/96, tramitando no Congresso sem nenhuma interação com o Estatuto dos Povos Indígenas, que espera aprovação desde 1991. O Projeto de Lei 1.610/96 desrespeita totalmente a autonomia dos povos indígenas sobre seus territórios, assegurada pela Constituição Federal e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário. As mesmas ameaças recaem sobre comunidades quilombolas, populações tradicionais, pequenos agricultores e áreas de proteção ambiental.

O desenvolvimento não justifica tudo e não é verdadeiro quando reduzido “a um simples crescimento econômico”. Para ser autêntico, recorda-nos o Papa Paulo VI, “o desenvolvimento deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo” (Populorum Progressio, n. 14), buscando o equilíbrio e a integração de toda a criação.

Diante disso, solicitamos aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que:
a)    seja instituída uma etapa prévia de debates na sociedade civil sobre o conteúdo da nova Lei da Mineração, anterior à sua apreciação pelo Congresso Nacional;
b)    a reforma da lei geral da Mineração considere em primeiro lugar os interesses das comunidades ocupantes dos territórios passiveis de atividade mineral;
c)    a discussão do Projeto de Lei 1.610/96 sobre mineração em terras indígenas seja vinculada à aprovação prévia do Estatuto dos Povos Indígenas.
Conclamamos as pastorais, os movimentos sociais, as entidades de defesa dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, bem como todas as pessoas de boa vontade a se unirem numa plataforma comum de debate sobre os impactos da mineração. Insistimos que acompanhem as comunidades atingidas, assegurando que toda atividade mineradora e industrial tenha como parâmetro o bem estar da pessoa humana, a superação dos impactos negativos sobre a vida em todas as suas formas e a preservação do planeta, com respeito ao meio ambiente, à biodiversidade e ao uso responsável dos bens naturais.

Deus, que nos fez cuidadores da terra e de toda a criação (cf Gênesis 1,28), nos torne zelosos cumpridores desse dever.
Brasília-DF, 07 de março de 2013


Dom José Belisário da Silva
Arcebispo de São Luís do Maranhão
Presidente da CNBB em exerício

Dom Sergio Arthur Braschi
Bispo de Ponta Grossa - PR
Vice-Presidente da CNBB em exercício 

Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário Geral da CNBB

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