Tive a alegria de participar em mais
um seminário sobre a realidade do Semi-árido brasileiro. Como se sabe, essa é a
característica do bioma Caatinga, único exclusivamente brasileiro. E como não
podia deixar de ser, o assunto principal foi a situação de estiagem prolongada
que afeta a vida nesta região.
Quero destacar que percebi
claramente que estão em disputa política dois projetos diferentes de
Semiárido. Um deles, ainda dominante, assenta-se no crescimento econômico,
tendo como base a propriedade privada, a exploração dos recursos naturais e do
trabalho humano, a implantação de grandes projetos de infraestrutura e de
produção, em boa medida voltada para a exportação.
O outro tem como objetivo a Convivência com o
Semi-árido. Em vez de combater as estiagens, busca formas criativas para
conviver com elas e com tudo que caracteriza esta região semi-árida. Ela não é
seca, mesmo se aumenta a área desertificada. É um dos semiáridos mais chuvosos
do mundo. O que o faz semi-árido é a imprevisibilidade das chuvas, e a
existência periódicas de estiagens mais prolongadas. Por isso, a água de chuva
é o segredo da convivência: se nos tempos bons, com chuvas regulares e
intensas, houver o cuidado de colher e guardar parte dessa água, não haverá falta dela
nos tempos de estiagem.
Foi possível perceber claramente que
a vida humana na Caatinga está mudando para melhor. Como parte do avanço na
implantação do projeto de Convivência com o Semi-árido, já foram construídas
mais de 700 mil cisternas caseiras, em que as famílias guardam com cuidados a
água para beber e cozinhar. São mais de 3 milhões e quinhentas mil pessoas que
contam com esse “verdadeiro hospital”, como as definiu uma senhora: com a cisterna, eu e minhas filhas não
precisamos mais caminhar quilômetros para buscar água barrenta, não há mais
crianças e velhos adoentados em casa, e eu já tenho tempo para visitar amigas e
trabalhar em favor da comunidade.
Na verdade, a cisterna é a porta de
entrada no modo de vida que é a Convivência com o Semi-árido. A partir do
processo participativo da sua construção e dos diálogos que ajudam a conhecer a
natureza deste bioma, as comunidades estão avançando na construção da segunda
cisterna, maior, mas que exige menos cuidados, porque a água é destinada à
produção básica de alimentos. Os dois tipos de cisterna são promovidos pela ASA
– Articulação do Semi-Árido -, de que fazem parte mais de mil diferentes tipos
de movimentos, pastorais e organizações sociais. Ela tem como meta 1 milhão de
cisternas para água de beber e cozinhar – é o seu P1MC - e sabe que há
necessidade de 1 milhão e quinhentos mil dos dois tipos de cisterna.
Os dois projetos disputam a
hegemonia e os recursos públicos. O projeto tradicional, oligárquico e
capitalista, está perdendo, aos poucos, a credibilidade popular, seja porque
concentra riqueza e poder, expulsando o povo e produzindo miséria, seja porque
seu modo de produção explora os recursos naturais e desequilibra o meio
ambiente. Assim mesmo, contudo, é ele que continua recebendo a maior quantidade
dos recursos públicos, indicando que os governantes, mesmo sabendo que são
minoria, os têm como aliados por força de seu poder econômico.
O projeto da Convivência com o
Semiárido avança e tem sua força no reconhecimento popular de que este é um
caminho de desenvolvimento que favorece a população mais empobrecida e que
recupera a vitalidade da Terra. Conta com apoio de recursos públicos e de
iniciativas da sociedade civil. Os governos, contudo, resistem e só aprovam os
projetos mediante insistente pressão; sempre que podem, criam dificuldades
administrativas. Deixam claro, dessa forma, que este não o seu projeto nem
aceitam que ele se torne o projeto estratégico de desenvolvimento social, cultural, econômico, político e espiritual do
bioma Caatinga.
Mas o ditado popular diz: contra os fatos não há argumentos. Os fatos
estão demonstrando que o projeto de Convivência com o Semi-árido é o que vai
criando condições de vida digna para os sertanejos, promovendo diversificadas
formas de produção solidária em cooperação com a natureza, contribuindo para
que a vida, e não a desertificação, seja a marca da Caatinga. E os fatos
demonstram, por outro lado, que o projeto capitalista tradicional, mesmo e
especialmente quando modernizado, promove modos de produção cada vez mais
agressivos e destruidores da vida da Caatinga, enriquecendo a poucos, muitos
deles de fora do país.
Por isso tudo, procurem conhecer o
projeto de Convivência com o Semi-árido e criem iniciativas de apoio a ele. Uma
das formas desse apoio é a promoção da Convivência com o bioma em que cada
leitor vive. Este é o caminho para ajudar a Terra a recuperar sua vitalidade e
equilíbrio, evitando que o aquecimento, promovido pelo sistema capitalista,
destrua o ambiente que torna possível a vida.
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