sábado, 27 de outubro de 2012

PROJETO DE CONVIVÊNCIA COM O SEMI-ÁRIDO



Tive a alegria de participar em mais um seminário sobre a realidade do Semi-árido brasileiro. Como se sabe, essa é a característica do bioma Caatinga, único exclusivamente brasileiro. E como não podia deixar de ser, o assunto principal foi a situação de estiagem prolongada que afeta a vida nesta região.

Quero destacar que percebi claramente que estão em disputa política dois projetos diferentes de Semiárido. Um deles, ainda dominante, assenta-se no crescimento econômico, tendo como base a propriedade privada, a exploração dos recursos naturais e do trabalho humano, a implantação de grandes projetos de infraestrutura e de produção, em boa medida voltada para a exportação. 

O outro tem como objetivo a Convivência com o Semi-árido. Em vez de combater as estiagens, busca formas criativas para conviver com elas e com tudo que caracteriza esta região semi-árida. Ela não é seca, mesmo se aumenta a área desertificada. É um dos semiáridos mais chuvosos do mundo. O que o faz semi-árido é a imprevisibilidade das chuvas, e a existência periódicas de estiagens mais prolongadas. Por isso, a água de chuva é o segredo da convivência: se nos tempos bons, com chuvas regulares e intensas, houver o cuidado de colher e guardar parte dessa água, não haverá falta dela nos tempos de estiagem.

Foi possível perceber claramente que a vida humana na Caatinga está mudando para melhor. Como parte do avanço na implantação do projeto de Convivência com o Semi-árido, já foram construídas mais de 700 mil cisternas caseiras, em que as famílias guardam com cuidados a água para beber e cozinhar. São mais de 3 milhões e quinhentas mil pessoas que contam com esse “verdadeiro hospital”, como as definiu uma senhora: com a cisterna, eu e minhas filhas não precisamos mais caminhar quilômetros para buscar água barrenta, não há mais crianças e velhos adoentados em casa, e eu já tenho tempo para visitar amigas e trabalhar em favor da comunidade.

Na verdade, a cisterna é a porta de entrada no modo de vida que é a Convivência com o Semi-árido. A partir do processo participativo da sua construção e dos diálogos que ajudam a conhecer a natureza deste bioma, as comunidades estão avançando na construção da segunda cisterna, maior, mas que exige menos cuidados, porque a água é destinada à produção básica de alimentos. Os dois tipos de cisterna são promovidos pela ASA – Articulação do Semi-Árido -, de que fazem parte mais de mil diferentes tipos de movimentos, pastorais e organizações sociais. Ela tem como meta 1 milhão de cisternas para água de beber e cozinhar – é o seu P1MC - e sabe que há necessidade de 1 milhão e quinhentos mil dos dois tipos de cisterna.

Os dois projetos disputam a hegemonia e os recursos públicos. O projeto tradicional, oligárquico e capitalista, está perdendo, aos poucos, a credibilidade popular, seja porque concentra riqueza e poder, expulsando o povo e produzindo miséria, seja porque seu modo de produção explora os recursos naturais e desequilibra o meio ambiente. Assim mesmo, contudo, é ele que continua recebendo a maior quantidade dos recursos públicos, indicando que os governantes, mesmo sabendo que são minoria, os têm como aliados por força de seu poder econômico.

O projeto da Convivência com o Semiárido avança e tem sua força no reconhecimento popular de que este é um caminho de desenvolvimento que favorece a população mais empobrecida e que recupera a vitalidade da Terra. Conta com apoio de recursos públicos e de iniciativas da sociedade civil. Os governos, contudo, resistem e só aprovam os projetos mediante insistente pressão; sempre que podem, criam dificuldades administrativas. Deixam claro, dessa forma, que este não o seu projeto nem aceitam que ele se torne o projeto estratégico de desenvolvimento social, cultural, econômico, político e espiritual do bioma Caatinga.

Mas o ditado popular diz: contra os fatos não há argumentos. Os fatos estão demonstrando que o projeto de Convivência com o Semi-árido é o que vai criando condições de vida digna para os sertanejos, promovendo diversificadas formas de produção solidária em cooperação com a natureza, contribuindo para que a vida, e não a desertificação, seja a marca da Caatinga. E os fatos demonstram, por outro lado, que o projeto capitalista tradicional, mesmo e especialmente quando modernizado, promove modos de produção cada vez mais agressivos e destruidores da vida da Caatinga, enriquecendo a poucos, muitos deles de fora do país.

Por isso tudo, procurem conhecer o projeto de Convivência com o Semi-árido e criem iniciativas de apoio a ele. Uma das formas desse apoio é a promoção da Convivência com o bioma em que cada leitor vive. Este é o caminho para ajudar a Terra a recuperar sua vitalidade e equilíbrio, evitando que o aquecimento, promovido pelo sistema capitalista, destrua o ambiente que torna possível a vida.


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