segunda-feira, 7 de novembro de 2011

VIVA O NOVO SOBERANO!


Dois acontecimentos recentes recolocaram as potencialidades e as ameaças enfrentadas pela democracia. Vejamos:

Na Bolívia, os indígenas da reserva de TIPNIS se negaram a engolir a decisão do governo central, comandado por Evo Morales, de cortar seu território com uma rodovia. Como só palavras não estavam sendo suficientes, organizaram uma marcha até a capital, La Paz, com o objetivo de pressionar o governo em favor do diálogo, uma vez que o governo estava desrespeitando a Constituição do Estado Boliviano, pois ela estabelece que uma obra dessas só pode ser feita depois de Consulta Prévia ao povo indígena. Foram duramente reprimidos por forças policiais, e isso mobilizou o país em seu favor. Retomaram a marcha e, ao chegar em La Paz, o inesperado acontece:

               Milhares e milhares de pessoas acolhem e saúdam os pobres indígenas – declarando, com seu gesto, o que estava acontecendo de novo: ao contrário dos tempos imperiais, estava chegando o novo soberano, o único soberano de uma sociedade democrática: o povo.

E o fruto desta prática persistente também é novo: o Presidente, que havia sido capturado pelo discurso da necessidade do progresso econômico e não queria ouvir as razões dos irmãos indígenas, se sente forçado a sentar com o soberano chegante, dialoga, ouve seus argumentos, reconhece seu erro, muda de posição, edita um decreto, com aprovação do Congresso, que determina: nenhuma rodovia atravessará o território do povo de TIPNIS. Como deve ser, o governante governa obedecendo ao povo – e com isso Evo retoma a tradição política de seu povo indígena e seu compromisso ao assumir a Presidência. Sua decisão reconhece que ele não é um soberano, e sim um governante de um povo soberano.

Não foi isso que aconteceu na Grécia e na Europa, que se vangloriaram até hoje de serem berços da democracia. A reação dos governos da União Europeia contra a decisão do Primeiro Ministro da Grécia de consultar seu povo em Referendo sobre o “pacote de resgate da dívida de seu país”, revela que o conjunto da Europa teme e não quer ouvir o único soberano das sociedades democráticas: o povo. Não cumprem com a promessa da democracia. Ao contrário, revelam que os governos devem decidir sem consultar seus povos quando os interesses econômicos dominantes podem ser ameaçados pelo único poder soberano legítimo; declaram que, nas democracias que praticam, há um seqüestro do poder soberano, vive-se numa ditadura do capital financeiro, com governos que a ele servem e só a ele consultam, com governos que se unem contra a prática da democracia real, vista como uma ameaça perigosa...

A depender do lugar social e político em que cada pessoa se coloca, os dois eventos serão interpretados de forma contraditória: para quem está com os que acham que “o povo não sabe decidir”, a mudança feita por Evo Morales foi ação de um fraco, que não sabe governar, que não tem pulso para fazer valer o que é necessário para o crescimento da economia, e a decisão grega de suspender o Referendo foi prática sábia, prudente, de quem governa com responsabilidade. Mas quem está convencido e partilha do desejo legítimo e legal do povo de decidir, realizando a democracia real, vê em Evo um exemplo a ser seguido pelos governantes, e na decisão do governo – aliás, já ex-governo, porque foi forçado a renunciar pela oposição parlamentar, que está firme na decisão de não consultar o povo – grego um recuo perigoso, pois revela que há outro ou outros soberanos neste país e neste continente, confirmando os motivos dos tantos que se declaram indignados e decidiram acampar nos espaços públicos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário