segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A AMAZÔNIA EM PERIGO

Por causa da fragilidade de sinal de internet, só agora, já de retorno de Cobija, Bolívia, posso comunicar as primeiras impressões dos dias passados na Amazônia boliviana, peruana e brasileira.

Foram dias tensos, já que partilhamos, no Encontro de Formação Sueños y Realidades del modelo de desarrollo, com alguns dos indígenas participantes da marcha a La Paz que foram duramente reprimidos por policiais. Na verdade, a realidade desta repressão esteve no coração dos debates realizados no Encontro: buscamos compreender criticamente o modelo dominante de desenvolvimento da Amazônia e, ao mesmo tempo, buscamos compreender com maior profundidade em que e como a proposta indígena do Bem Viver vai configurando uma alternativa para os povos da Amazônia e para todos os povos em todos os demais biomas terrestres.

No conflito entre o povo indígena da reserva Tipnis e as forças de repressão estiveram claramente em jogo dois caminhos de presença e de desenvolvimento da Amazônia. Por um lado, grandes proprietários produtores de soja, do Brasil e da Bolívia, colonos pequenos proprietários produtores de coca e outros produtos agrícolas e a empreiteira OAS e o BNDES, ambos brasileiros, pressionavam em favor da repressão à marcha com o objetivo de derrotar a resistência indígena à construção da rodovia que facilitará o acesso das mercadorias à Rodovia Transoceânica, diminuindo os custos da exportação para os países do Pacífico. Some-se a esses grupos as forças políticas dominantes nessa região da Media Luna, absolutamente contrárias aos caminhos de mudança promovidos no Estado boliviano. E some-se, ainda, a presença do ex-presidente do Brasil, Lula da Silva, com o claro objetivo de pressionar o Presidente Evo Morales em favor da construção da rodovia sem atender aos indígenas, animando a fazer por lá o que ele praticou em seus anos de governo.

No outro lado do conflito está o povo do Tipnis, com apoio dos demais povos indígenas e, a partir da repressão, dos trabalhadores da Central Obrera de Bolivia e muitos outros setores da sociedade boliviana. São forças que não aceitam que se despreze e fira os direitos consagrados na Constituição, de modo especial  o direito inalienável de cada povo ao seu território e, por isso, o direito de Consulta Prévia para qualquer obra que altere as condições de vida em cada território. Na verdade, cada povo tem Autonomia na gestão de seu Território, uma autonomia que se relaciona e soma com os demais na constituição do Estado Plurinacional da Bolívia. Por isso, a marcha, mesmo correndo o risco de ser usada como pretexto por grupos opositores ao governo federal, for realizada, e continua sua caminhada depois da repressão, com um claro objetivo: defender a cultura e o modo de convivência do povo de Tipnis com a Amazônia. Ao contrário do desenvolvimento capitalista, sempre predador e assentado na exploração dos bens naturais, promovido pelos que defendem a construção da rodovia, os povos indígenas exigem que a integridade de seu território seja preservada como condição para o seu Bem Viver. Isto é, para continuarem aprofundando sua convivência harmoniosa com os demais seres humanos e com tudo que compõe o ambiente da vida, isto é, com a Mãe Terra - Pacha Mama, como eles a chamam carinhosa e religiosamente.

Como se percebe, há muitos outros co-responsáveis pelo ocorrido, além do presidente Evo Morales. Aliás, se de Evo se pode cobrar a teimosia de manter a construção da rodovia, ainda não se pode acusá-lo de responsabilidade pela repressão. Ao contrário, ele exige que uma comissão, com presença da ONU, tire a limpo as responsabilidades por esse evento violento. A troca imediata de ministros, em especial o da Segurança, deixa no ar a indicação de onde provavelmente partiu a ordem, apesar da negativa do ex-titular.

Ampliando a reflexão sobre esse conflito, percebi claramente, através dos depoimentos e denúncias dos participantes do Encontro de Cobija, que a Amazônia e seus povos estão cada vez mais ameaçados pela voracidade do capitalismo globalizado, em que o Brasil entra como evidente força sub-imperial. Quase todas as obras viárias e de construção de hidrelétricas, bem como outras atividades ligadas à exploração de gás e mineração, estão sendo implementadas por empresas brasileiras financiadas pelo BNDES. Em nenhuma delas é possível reconhecer cuidados ecológicos, apesar de suas intensas propagandas no sentido de apresentarem-se como verdes. Pelo contrário, a sensação que me afligiu intensamente é a de que, a seguir com essas iniciativas econômicas e essas políticas desenvolvimentistas, a Amazônia está com os dias contados.

A única alternativa consistente, e por isso tão combatida, é a dos povos indígenas e dos camponeses ribeirinhos e extrativistas: a de construir relações econômicas em sinergia com as energias do bioma Amazônia, sem destruí-las, relações que se tornam possíveis quando a base civilizacional é o Bem Viver. Um Bem Viver que se constrói com características diferentes em cada povo, mas que tem em comum o constante aprendizado de conviver harmoniosamente entre os seres humanos e com Pacha Mama.

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