Assessoria Jurídica do Cimi divulga nota técnica sobre resolução da Funai que restringe autodeclaração indígena
Ao atribuir para si o papel de definir quem é ou não
indígena, Funai estabelece uma política integracionista que visa
extirpar direitos indígenas e barrar demarcações, aponta nota
A Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário – Cimi
produziu uma nota técnica sobre a Resolução nº 4, que foi publicada pela
Fundação Nacional do Índio (Funai) no dia 21 de janeiro e estabelece
“critérios complementares para a autodeclaração indígena”. Na avaliação
da assessoria, a resolução é inconstitucional, viola dispositivos da
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e contraria
definições do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo a Funai, a medida visa “padronizar e dar segurança jurídica” ao
processo de autodeclaração indígena, como forma de “proteger a
identidade indígena e evitar fraudes na obtenção de benefícios sociais
voltados a essa população”.
Na avaliação da Assessoria Jurídica do Cimi, a medida denota a intenção
da Funai de “voltar a definir quem é ou não indígena, num retorno ao
regime jurídico da tutela que embasava a atuação estatal antes da
promulgação da Constituição de 1988, com o mesmo modus operandi do
extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI)”.
Ao contrário do alegado pelo órgão, a nota técnica aponta que o recente
ato da Funai busca “tornar uniforme uma política integracionista, para
mais uma vez extirpar, como ocorreu em especial no período da ditadura
militar, direitos dos índios” e “impedir a continuidade da regularização
dos territórios de ocupação tradicional indígena e colocar essas áreas à
disposição de setores do agronegócio”.
“Essa normativa consolida o racismo institucional contra os povos
indígenas ao propor critérios sobre uma auto-identificação que é, por
direito, subjetiva, não se reduzindo aos estereótipos ou características
fenotípicas, além de buscar cristalizar e segregar as identidades ditas
‘pré-colombianas’”, analisa a Assessoria Jurídica do Cimi.
Os critérios mais restritivos estabelecidos pela Resolução nº 4 “tendem a
tornar como não índios um enorme contingente populacional indígena,
impedindo que tenham as terras demarcadas e que possam acessar políticas
públicas específicas, como a nova vacina contra os efeitos do vírus que
assola o país, a demarcação de suas terras esbulhadas, o acesso à água
potável, a segurança alimentar e nutricional das comunidades e proteção
dos territórios e ecossistemas ambientais”, aponta a nota técnica.
Na prática, portanto, o ato administrativo da Funai “cria mais uma
dificuldade ao reconhecimento e identificação das pessoas enquanto
indígenas”, avalia a Assessoria Jurídica do Cimi. A avaliação é que a
medida pode deixar desabrigada de diversas políticas públicas metade da
população autodeclarada indígena.
A cifra estimada equivale ao número de indígenas que vivem em contexto
urbano ou em terras não demarcadas e que foram excluídos do Plano
Nacional de Vacinação do governo federal, que incluiu no grupo
prioritário apenas 410 mil indígenas de povos “vivendo em terras
indígenas”. Segundo o Censo do IBGE de 2010, há onze anos a população
indígena brasileira já era de aproximadamente 900 mil pessoas.
A análise sobre a Resolução nº 4 da Funai destaca medidas e iniciativas
da Funai nos últimos dois anos, como a Instrução Normativa 09/2020, que
liberou a certificação de propriedades particulares sobre terras
indígenas não homologadas, para ilustrar que o órgão tem se posicionado
deliberadamente “contrário aos interesses dos povos originários do
Brasil e às legislações e jurisprudências nacionais e internacionais”.
A Nota Técnica conclui que a Resolução nº 4 deve ser revogada
imediatamente pela Funai, “por afronta direta à nossa Constituição”.
Clique aqui para baixar a Nota Técnica na íntegra, em formato pdf.
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