Carta-Denúncia dos Bispos da Bacia do Rio São Francisco
“Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância.” (João, 10,10)
Nós, bispos católicos da Bacia Hidrográfica do São Francisco,
neste dia de São Francisco de Assis e do rio que recebeu seu nome há 519
anos, nos sentimos, mais uma vez, compelidos a nos pronunciar sobre a
situação em que se encontram o Rio e seu Povo. A promessa de vida
trazida por Jesus não nos permite calar.
Ao final de 2017 publicamos a “Carta da Lapa”, alertando para a
necessidade de medidas de revitalização da Bacia Hidrográfica. Desde
então, não só estas medidas não foram tomadas e nem se anunciam – e são
cada vez mais urgentes, como a situação tem piorado e promete piorar
ainda mais. Pelo menos três novas ameaças identificamos:
1) A Usina Hidrelétrica – UHE Formoso. Esta nova
usina está para ser construída na calha do rio, a 12 km a montante de
Pirapora – MG, e alagar uma área de mais 32 mil hectares, em seis
municípios, causando impactos ambientais e sociais desastrosos, que vão
além do local e não estão sendo levados em conta. Os empreendedores e os
governos federal e estadual aceleram o licenciamento da obra, em
desrespeito às populações afetadas, entre as quais centenas de
comunidades tradicionais ribeirinhas.
2) Uma Usina Nuclear. Está para ser implantada
às margens do reservatório da Barragem de Itaparica, a Usina Nuclear de
Itacuruba – PE. Anunciada há tempos, sinais recentes de sua
concretização inquietam ainda mais as comunidades locais, já sofridas
com as consequências da barragem que os expulsou da beira do Rio em
1987/88. As águas do Rio utilizadas para o resfriamento das caldeiras da
usina ficarão contaminadas por radiação e elevadas a altíssimas
temperaturas. Além do grande desequilíbrio a causar nos ecossistemas da
região e a jusante do Rio, os riscos tenebrosos de um desastre nuclear
afetarão uma região ainda maior.
3) Instrução Normativa no 67. Preocupa-nos ainda
esta Instrução Normativa de 3 de agosto de 2020, da Secretaria de
Coordenação e Governança do Patrimônio da União e da Secretaria Especial
de Desestatização, Desinvestimento e Mercados / Ministério da Economia,
que trata da “demarcação de terrenos marginais, por meio da
determinação da posição da Linha Média das Enchentes Ordinárias – LMEO e
da Linha Limite dos Terrenos Marginais – LLTM” dos “lagos, rios e
quaisquer correntes de água” federais. Chegam até nós apelos angustiados
de comunidades tradicionais ribeirinhas do São Francisco, temerosas de
que venham a perder para empreendedores privados as porções principais
de seus territórios e o acesso ao Rio.
A produção de energia já compromete 70% da vazão do Rio São
Francisco e é uma das principais causas de sua degradação. Não suportará
estas novas agressões. É de se questionar o aumento incessante da
demanda de energia elétrica e de novos territórios para produção, por um
modelo de vida e civilização que está levando o planeta, nossa “Casa
Comum”, à exaustão. As mudanças climáticas e as pandemias, cada vez mais
intensas e rigorosas, que atingem sobretudo os mais pobres, estão aí a
comprovar o fracasso do
apregoado “desenvolvimento sustentável” ou de
um pretenso “capitalismo verde”. Ao invés de serem manipuladas para o
continuísmo do sistema, estão a exigir uma mudança radical dos rumos da
humanidade, nos modos de produzir e consumir, em direção à “ecologia
integral” que advogam, sensatamente, o Papa Francisco na “Laudato Si’” e
o recente Sínodo da Amazônia.
A promessa de vida abundante anunciada por Jesus é nosso desafio e compromisso permanentes. Obriga-nos a esta denúncia e apelo. Às autoridades responsáveis em todos os níveis, pedimos encarecidamente que revejam suas decisões e medidas a cerca destes projetos, em vista do bem comum e da prioridade aos mais pobres, ao meio-ambiente, à vida, para além das pressões de interesses privados minoritários, agravantes da crise ecológica que a todos e tudo ameaça. À sociedade organizada, às pessoas de boa-vontade, sugerimos que tomem conhecimento destas situações e a defesa do bem maior, em apoio às comunidades afetadas, pressionando as autoridades. Às comunidades afetadas dizemos: fiquem firmes, defendam seus direitos e contem com nosso apoio!
Bacia do Rio São Francisco, 04 de outubro de 2020.
Dom João Justino de Medeiros Silva – Arcebispo Metropolitano de Montes Claros – MG
Dom João Santos Cardoso – Bispo Diocesano de Bom Jesus da Lapa – BA
Presidente do Regional NE 3 da CNBB.
Dom Frei Carlos Alberto Breis Pereira, OFM – Bispo Diocesano de Juazeiro – BA,
Vice-Presidente do Regional NE 3 da CNBB.
Dom Vitor Agnaldo de Menezes – Bispo Diocesano de Propriá – SE,
Secretário do Regional NE 3 da CNBB.
Dom Roberto José da Silva – Bispo Diocesano de Janaúba – MG
Dom José Moreira da Silva – Bispo Diocesano de Januária – MG
Dom Tommaso Cascianelli, CP – Bispo Diocesano de Irecê – BA
Dom Gabriele Marchesi – Bispo Diocesano de Floresta – PE
Dom Frei Luiz Flávio Cappio, OFM – Bispo Diocesano de Barra – BA
https://cptba.org.br/carta-denuncia-dos-bispos-da-bacia-do-rio-sao-francisco/
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