Pedro
A. Ribeiro de Oliveira [1]
Os
incêndios florestais do mês de agosto representaram um sinal de alarme: a
principal reserva ecológica da Terra sendo consumida pelas bordas, sem que o
governo brasileiro tomasse providências. Declarações estapafúrdias do Presidente
da República deixam transparecer que esse desastre não é fruto de descaso com a
Amazônia e seus povos, mas um evento inserido no processo global de apropriação
privada de bens-comuns: água, minérios, biodiversidade e terras para a
agropecuária.
Na Análise de conjuntura publicada
em http://fepolitica.org.br/pedro-ribeiro/analise-de-conjuntura-em-tempos-de-guerra/
e reproduzida pelo IHU em 01/05/2019 usei o conceito de guerra de 4ª geração
ou guerra híbrida – aquela que emprega estrategicamente a informação
como arma de combate a um poder definido como “hostil” – para explicar o impeachment
de Dilma como fruto da aliança entre corporações petroleiras e financeiras
dos EUA e os muito ricos brasileiros. A queda daquele governo definido
como “hostil” abriu as portas ao capitalismo ultraliberal, com as privatizações
na área do petróleo, e em seguida a radicalização anarcocapitalista de Bolsonaro-Paulo
Guedes, que visa suprimir todo constrangimento imposto pelo Estado republicano
e democrático ao mercado. Devo reconhecer, porém, que me surpreende a improvisação
na execução desse projeto, pois o governo de Dilma Rousseff já vinha buscando a
integração da Amazônia ao sistema capitalista e bastaria implementá-lo sem
truculência para em médio prazo fazer da Amazônia grande fonte de lucros para o
capital, sem o risco de uma catástrofe ambiental. Vejamos então mais de perto o
que está em curso hoje no Brasil, tendo presente que aqui está apenas uma parte
do bioma amazônico.
O
desmantelamento da FUNAI e a nomeação de Ricardo Salles para o Ministério do
Meio Ambiente foram um recado de que seriam suspensos os entraves fiscais e
administrativos à exploração das chamadas riquezas naturais. Para bom
entendedor, meia-palavra basta: se não há fiscalização nem repressão, a apropriação
privada de bens-comuns os transforma em mercadorias valiosas. Afrouxada a
fiscalização, especuladores, madeireiros, garimpeiros, grileiros e outros
transgressores sentem-se liberados para invadir territórios indígenas, reservas
ambientais ou promoverem queimadas em suas terras e terras vizinhas.
Outro
passo, em continuidade com iniciativas ensaiadas durante o governo Temer será a
privatização – ao menos parcial – de reservas ambientais, especialmente aquelas
que se mostrem ricas em reservas minerais ou com potencial para a biotecnologia.
Paralelamente, abrir concessões para exploração mineral em territórios de povos
originários, mesmo que ameace sua sobrevivência enquanto povos. Passo de grande
crueldade, que esperamos não venha a ser dado, seria a extinção de Povos
Isolados, seja por estrangulamento ambiental, seja por massacre, porque um
território não habitado não teria motivo legal para ser preservado.
Enfim,
o passo decisivo será o favorecimento à implantação de grandes empresas em toda
a Amazônia, especialmente em territórios de Povos Originários, com o estímulo a
seus chefes para se tornarem empresários. Combinando-se tal incentivo com a
atração de grandes capitais do Exterior, em pouco tempo a Amazônia estaria
loteada entre empresas capitalistas. Com sede no Brasil, é claro, mas com grande
aporte de capitais externos.
Esse
exercício de futurologia tem por base a doutrina do choque,
formulada por Naomi Klein (https://jornalggn.com.br/sociedade/a-doutrina-do-choque-de-naomi-klein/):
desastres – naturais ou provocados – interessam ao mercado capitalista porque
ele se apresenta como o remédio mais eficaz para sua recuperação social e
econômica. O raciocínio é de tipo “já que a floresta está queimada, vamos aproveitar
a terra para produzir de modo mais moderno”. Para legitimá-lo bastaria uma
eficiente campanha de informações pela grande mídia e pelas redes virtuais em
favor do “desenvolvimento sustentável” de Povos Originários que se transformem em
gerentes da produção mineral ou agropecuária em seus territórios.
Seria
esta uma guerra de 4ª geração entre o capitalismo globalizado e os
defensores e defensoras da Amazônia. Nela não há invasão armada, como nas
guerras do passado, nem agentes infiltrados entre Povos Originários para
declarar sua independência e formar uma nação soberana, como parecem temer
nossos militares. Ao contrário, as grandes empresas seriam formadas com todo
apoio do governo brasileiro e de suas Forças Armadas, garantindo a propriedade
privada. E o aumento da exportação de commodities seria a melhor prova
do acerto dessa política de crescimento econômico anarcocapitalista.
Contra
esse projeto alinham-se diferentes organizações de defesa dos Direitos
Ambientais e Humanos, hoje contando com a decidida participação do Papa
Francisco, cuja intuição de fazer da Amazônia tema do próximo sínodo da Igreja
Católica revelou-se genial. À primeira vista, o capital financeiro em busca de
aplicação segura é disparadamente mais forte do que essa parcela da Humanidade
que não abre mão de sua humanidade e de sua solidariedade com a Terra e seus
Povos; um olhar atento, porém, revela que a força dos fracos é bem maior do que
parece.
Primeiramente,
é preciso considerar que os segredos da guerra de 4ª geração começam a
ser desvendados e seus instrumentos em breve poderão ser utilizados também
pelos grupos que defendem a Ecologia Integral e os Povos da Amazônia. As redes
informáticas da internet, que até pouco tempo estavam inteiramente a serviço
das grandes corporações, começam a ser usadas também no sentido oposto: em
lugar da propaganda baseada no manejo de emoções, elas podem ser veículo de
informações que têm ao mesmo tempo fundamento real e apelo simbólico, como são as
mensagens emitidas por pessoas de grande autoridade moral. Nesse embate, a
probabilidade de vitória da verdade sobre a propaganda não é mero desejo
piedoso.
Finalmente,
é preciso considerar que a ameaça à Amazônia traz à tona duas forças sociais de
forte poder mobilizador: Povos Originários e a juventude. A primeira já está na
cena política há pelo menos quatro décadas, mas agora vem ganhando vulto a
coordenação entre diferentes Povos, inclusive do Exterior. Novidade é a
mobilização da juventude, agora puxada pela adolescente sueca Greta Thunberg.
Seu apelo aos adultos é contundente: “assumam sua responsabilidade!
Adolescentes somos nós, não vocês!”. É preciso levar em conta a força moral
desses dois novos atores no cenário político, sobretudo num conflito de
informações, quando a credibilidade de quem fala é crucial.
Se
esta análise é correta, estamos diante de uma nova batalha da guerra de 4ª
geração entre as grandes corporações mundiais e a parcela do Humanidade que
se define como responsável pela vida da Terra e se coloca em defesa dos seus
Direitos. Dessa batalha pode resultar uma novidade inesperada, muito bem
formulada por uma pesquisadora nativa da Amazônia:
Não internacionalizar a Amazônia: amazonizar
o mundo
8 de setembro de 2019
[1] Nascido em 1943, doutor em
sociologia, foi professor nos Programas de Pós-Graduação em Ciência/s da
Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora e da PUC-Minas. É membro de Iser-Assessoria e da Coordenação do Movimento Nacional Fé e Política.
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