Roberto Malvezzi (Gogó)
O bioma Cerrado tinha 65 milhões de anos, mas nós acabamos com ele em apenas 40 ou 50 anos. Fixador das águas brasileiras e distribuidor das mesmas pelo território nacional, nossa caixa d’água natural não existe mais.
A Amazônia, bioma gerador de grande parte de nossas chuvas que caem sobre o sul e sudeste dá sinais de perda de vitalidade. Cientistas já não garantem sua sobrevivência e sua eficiência. Sem a Amazônia para gerar chuvas e sem o Cerrado para armazenar e distribuir nossas águas, é fácil entender o que está acontecendo com todas as bacias brasileiras que estão secas nesse momento: São Francisco, Grande, Doce, Piracicaba, Mogi, assim por diante.
O Brasil acaba de sair de uma eleição que não acaba. Não é por acaso. Se alguém tinha ainda alguma ilusão do “brasileiro cordial (Sérgio Buarque de Hollanda) ou do “equilíbrio dos contrários” (Gilberto Freire), não tem mais motivos para dar a essas teses qualquer credibilidade. O “brasileiro” é fruto de um liquidificador histórico de etnias que não se sustenta na prática, nem por classes sociais que vivam harmonicamente (equilíbrio dos contrários), nem por regionalismos que se respeitem, nem por intelectuais e mídias familiares que as harmonizem. O que saiu dessa eleição é o pior da alma brasileira, mas também a decisão dos mais injustiçados que esse país também é seu. Pelo menos, saímos mais verdadeiros.
Se a civilização brasileira ainda quiser ter algum fôlego precisaria redirecionar imediatamente seu modelo predador de desenvolvimento. Mesmo assim já não teremos o Cerrado, ele não tem volta e todos os mananciais que dele dependem já estão comprometidos. Não é uma questão de saber o momento final – como dizem os cientistas que estudam o bioma -, mas de saber que esse doente não tem mais recuperação.
A decisão sobre a Amazônia é agora ou nunca. Ainda temos o benefício da dúvida se ela tem a regeneração que o Cerrado não tem. Sem a Amazônia o sul e o sudeste voltam a ser o deserto que eram há 130 milhões de anos. Portanto, o momento é agora.
As chuvas mais imediatas voltarão, mas a ruptura no ciclo das águas sem o Cerrado e Amazônia não tem volta.
Mas, a civilização brasileira tem pressa de crescer e, mesmo saindo das urnas com a crise hídrica que nos assola, a pressão é dos mercados para nomear ministros, para aumentar os juros, para manter a especulação financeira, a disputa por cargos, pelo crescimentismo da economia, mesmo que ela não se sustente.
Essa grande estiagem que atinge o sudeste já impacta a economia do agronegócio, da indústria e de uma série de serviços que estão comprometidos ou mesmo ficando inviabilizados. Portanto, é fácil deslumbrar o que será um futuro sem água, inclusive para a economia. Mesmo assim, não há uma inflexão nacional para discutir uma estratégia de país. Os imediatismos dos grupos dominantes imperam sobre as questões fundamentais.
A xenofobia que emergiu das redes sociais, o jornalismo medíocre de certos meios de comunicação, pesam em favor de uma ala fascista brasileira que não tem compromissos com a democracia. Até essa democracia limitada não tem existência garantida.
Seria o momento das cabeças pensantes, dos verdadeiramente democratas, daqueles que verdadeiramente alimentam o sonho de um país mais justo e igualitário. Mas, esses parecem submersos na onda dos imediatismos.
A civilização brasileira vive o maior impasse de sua história. A tendência nesses momentos é que impere o irracional e o salve-se quem puder.
Aqui decidimos o futuro das gerações imediatas após a nossa.
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