vejam 13 razões para o Veto Total do projeto de Código Florestal aprovado pelo Congresso Nacional. O texto serve para dar segurnaça a quem está participando da campanha de pressão para que a presidente Dilma vete o texto por inteiro, e não apenas alguns pontos. Na verdade, como já afirmamos, o texto está todo envenenado pelos interesses e privilégios dos grandes proprietários do país e é uma grande ameaça ao meio ambiente vital para todos os seres vivos.
13 Razões para o Veto Total ao PL 1876/99 do Código
Florestal
Texto
reflete exame minucioso do Projeto de Lei 1876/99, revisado pela Câmara dos
Deputados na semana passada, à luz dos compromissos da Presidenta Dilma
Rousseff assumidos em sua campanha nas eleições de 2010.
por André Lima, Raul Valle e Tasso Azevedo*
Para
cumprir seu compromisso de campanha e não permitir incentivos a mais
desmatamentos, redução de área de preservação e anistia a crimes ambientais, a
Presidenta Dilma terá que reverter ou recuperar, no mínimo, os dispositivos
identificados abaixo. No entanto, a maioria dos dispositivos são irreversíveis
ou irrecuperáveis por meio de veto parcial.
A
hipótese de vetos pontuais a alguns ou mesmo a todos os dispositivos aqui
comentados, além de não resolver os problemas centrais colocados por cada
dispositivo (aprovado ou rejeitado), terá como efeito a entrada em vigor de uma
legislação despida de clareza, de objetivos, de razoabilidade, de
proporcionalidade e de justiça social. Vulnerável, pois, ao provável
questionamento de sua constitucionalidade. Além disso, deixará um vazio de
proteção em temas sensíveis como as veredas na região de cerrado e os mangues.
Para
preencher os vazios fala-se da alternativa de uma Medida Provisória
concomitante com a mensagem de veto parcial. Porém esta não é uma solução, pois
devolve à bancada ruralista e à base rebelde na Câmara dos Deputados o poder
final de decidir novamente sobre a mesma matéria. A Câmara dos Deputados
infelizmente já demonstrou por duas vezes - em menos de um ano - não ter
compromisso e responsabilidade para com o código florestal. Partidos da base do
governo como o PSD, PR, PP, PTB, PDT capitaneados pelo PMDB, elegeram o código
florestal como a “questão de honra” para derrotar politicamente o governo por
razões exóticas à matéria.
Seja por
não atender ao interesse público nacional por uma legislação que salvaguarde o
equilíbrio ecológico, o uso sustentável dos recursos naturais e a justiça
social, seja por ferir frontalmente os princípios do desenvolvimento
sustentável, da função social da propriedade rural, da precaução, do interesse
público, da razoabilidade e proporcionalidade, da isonomia e da proibição de
retrocesso em matéria de direitos sociais, o texto aprovado na Câmara dos
Deputados merece ser vetado na íntegra pela Presidenta da República.
Ato
contínuo deve ser constituído uma força tarefa para elaborar uma proposta de
Política Florestal ampla para o Brasil a ser apresentada no Senado Federal e
que substitua o atual código florestal elevando o grau de conservação das
florestas e ampliando de forma decisiva as oportunidades para aqueles que
desejam fazer prosperar no Brasil uma atividade rural sustentável que nos dê
orgulho não só do que produzimos, mas da forma como produzimos.
Enquanto
esta nova lei é criada, é plenamente possível por meio da legislação vigente e
de regulamentos (decretos e resoluções do CONAMA) o estabelecimento de
mecanismos de viabilizem a regularização ambiental e a atividade agropecuária,
principalmente dos pequenos produtores rurais.
13 razões para o Veto Total
1.
Supressão do artigo primeiro do texto aprovado pelo Senado que estabelecia os
princípios jurídicos de interpretação da lei que lhe garantia a essência
ambiental no caso de controvérsias judiciais ou administrativas. Sem esse
dispositivo, e considerando-se todos os demais problemas abaixo elencado neste
texto, fica explícito que o propósito da lei é simplesmente consolidar
atividades agropecuárias ilegais em áreas ambientalmente sensíveis, ou seja,
uma lei de anistia florestal. Não há como sanar a supressão desses
princípios pelo veto.
2.
Utilização de conceito incerto e genérico de pousio e supressão do conceito de
áreas abandonadas e subutilizadas. Ao definir pousio como período de não cultivo (em
tese para descanso do solo) sem limite de tempo (Art. 3 inciso XI), o projeto
permitirá novos desmatamentos em áreas de preservação (encostas, nascentes
etc.) sob a alegação de que uma floresta em regeneração (por vezes há 10 anos
ou mais) é, na verdade, uma área agrícola “em descanso”. Associado ao fato de
que o conceito de áreas abandonadas ou subutilizadas, previsto tanto na
legislação hoje em vigor como no texto do Senado, foi deliberadamente
suprimido, teremos um duro golpe na democratização do acesso e da terra, pois
áreas mal-utilizadas, possuídas apenas para fins especulativos, serão do dia
para a noite terras “produtivas em descanso”. Essa brecha enorme para novos
desmatamentos não pode ser resolvida com veto.
3.
Dispensa de proteção de 50 metros no entorno de veredas (inciso XI do ART. 4º
ART). Isso
significa a consolidação de ocupações ilegalmente feitas nessas áreas como
também novos desmatamentos no entorno das veredas hoje protegidas. Pelo
texto aprovado, embora as veredas continuem sendo consideradas área de
preservação, elas estarão na prática desprotegidas, pois seu entorno imediato
estará sujeito a desmatamento, assoreamento e possivelmente a contaminação com
agroquímicos. Sendo as veredas uma das principais fontes de água do Cerrado, o
prejuízo é enorme, e não é sanável pelo veto presidencial.
4. Desproteção
às áreas úmidas brasileiras. Com a mudança na forma de cálculo das áreas de
preservação ao longo dos rios (art.4o), o projeto deixa desprotegidos, segundo
cálculos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), 400 mil km2 de
várzeas e igapós. Isso permitirá que esses ecossistemas riquíssimos possam ser
ocupados por atividades agropecuárias intensivas, afetando não só a
biodiversidade como a sobrevivência de centenas de milhares de famílias que
delas fazem uso sustentável.
5.
Aumento das possibilidades legais de novos desmatamentos em APP - O novo texto (no §6º do Art4o)
autoriza novos desmatamentos indiscriminadamente em APP para implantação de
projetos de aquicultura em propriedades com até 15 mólulos fiscais (na
Amazônia, propriedades com até 1500ha – na Mata Atlântica propriedades com mais
de mil hectares) e altera a definição das áreas de topo de morro reduzindo
significativamente a sua área de aplicação (art.4º, IX). Em nenhum dos dois
casos o Veto pode reverter o estrago que a nova Lei irá causar, ampliando as
áreas de desmatamento em áreas sensíveis.
6.
Ampliação de forma ampla e indiscriminada do desmatamento e ocupação nos
manguezais ao
separar os Apicuns e Salgados do conceito de manguezal e ao delegar o poder de
ampliar e legalizar ocupações nesses espaços aos Zoneamentos Estaduais, sem
qualquer restrição objetiva (§§ 5º e 6º do art. 12). Os estados terão
amplos poderes para legalizar e liberar novas ocupações nessas áreas. Resultado
– enorme risco de significativa perda de área de manguezais que são cruciais
para conservação da biodiversiadade e produção marinha na zona costeira. Não
tem com resgatar pelo Veto as condições objetivas para ocupação parcial
desses espaços tão pouco o conceito de manguezal que inclui apicuns e salgados.
7.
Permite que a reserva legal na Amazônia seja diminuída mesmo para desmatamentos
futuros, ao não
estabelecer, no art. 14, um limite temporal para que o Zoneamento Ecológico
Econômico autorize a redução de 80% para 50% do imóvel. A lei atual já traz
essa deficiência, que incentiva que desmatamentos ilegais sejam feitos na
expectativa de que zoneamentos futuros venham legaliza-los, e o projeto não
resolve o problema.
8.
Dispensa de recomposição de APPs. O texto revisado pela Câmara ressuscita a emenda
164 (aprovada na primeira votação na Câmara dos Deputados, contra a orientação
do governo) que consolida todas as ocupações agropecuárias existentes às
margens dos rios, algo que a ciência brasileira vem reiteradamente dizendo ser
um equívoco gigantesco. Apesar de prever a obrigatoriedade de recomposição
mínima de 15 metros para rios inferiores a 10 metros de largura, fica em aberto
a obrigatoriedade de recomposição de APPs de rios maiores, o que gera não só um
possível paradoxo (só partes dos rios seriam protegidas), como abre uma lacuna
jurídica imensa, a qual só poderá ser resolvida por via judicial, aumentando a
tão indesejada insegurança jurídica. O fim da obrigação de recuperação do
dano ambiental promovida pelo projeto condenará mais de 70% das bacias hidrográficas
da Mata Atlântica, as quais já tem mais de 85% de sua vegetação nativa
desmatada. Ademais, embora a alegação seja legalizar áreas que já estavam
“em produção” antes de supostas mudanças nos limites legais, o projeto
anistia todos os desmatamentos feitos até 2008, quando a última modificação
legal foi em 1986. Mistura-se, portanto, os que agiram de acordo com a lei da
época com os que deliberadamente desmataram áreas protegidas apostando na
impunidade (que o projeto visa garantir). Cria-se, assim, uma situação
anti-isonômica, tanto por não fazer qualquer distinção entre pequenos e grandes
proprietários em situação irregular, como por beneficiar aqueles que desmataram
ilegalmente em detrimento dos proprietários que o fizeram de forma legal ou
mantiveram suas APPs conservadas. É flagrante, portanto, a falta de
razoabilidade e proporcionalidade da norma contida no artigo 62, e um
retrocesso monumental na proteção de nossas fontes de água.
9.
Consolidação de pecuária improdutiva em encostas, bordas de chapadas, topos de
morros e áreas em altitude acima de 1800 metros (art. 64) o que representa um
grave problema ambiental principalmente na região sudeste do País pela instabilidade das áreas
(áreas de risco), inadequação e improdutividade dessas atividades nesses
espaços. No entanto, o veto pontual a esse dispositivo inviabilizará atividades
menos impactantes com espécies arbóreas perenes (café, maçã dentre outras) em
pequenas propriedades rurais, hipóteses em que houve algum consenso no debate
no Senado. O Veto parcial resolve o problema ambiental das encostas no entanto
não resolve o problema dos pequenos produtores.
10.
Ausência de mecanismos que induzam a regularização ambiental e privilegiem o
produtor que preserva em relação ao que degrada os recursos naturais. O projeto revisado pela Câmara
suprimiu o art. 78 do Senado, que vedava o acesso ao crédito rural aos
proprietários de imóveis rurais não inscritos no Cadastro Ambiental Rural - CAR
após 5 anos da publicação da Lei. Retirou também a regra que vedava o
direcionamento de subsídios econômicos a produtores que tenham efetuado
desmatamentos ilegais posteriores a julho de 2008. Com isso, não só não haverá
instrumentos que induzam a adesão aos Programas de Regularização Ambiental,
como fica institucionalizado o incentivo perverso, que premia quem descumpre
deliberadamente a lei. Propriedades com novos desmatamentos ilegais poderão
aderir ao CAR e demandar incentivos para recomposição futura. Somando-se ao
fato de que foi retirada a obrigatoriedade de publicidade dos dados do CAR,
este perde muito de seu sentido. Um dos únicos aspectos positivos de todo
projeto foi mutilado. Essa lacuna não é sanável pelo veto. A lei perde um dos
poucos ganhos potenciais para a governança ambiental.
11.
Permite que imóveis de até 4 módulos fiscais não precisem recuperar sua reserva
legal (art.68), abrindo brechas para uma isenção quase generalizada. Embora os defensores do projeto
argumentem que esse dispositivo é para permitir a sobrevivência de pequenos
agricultores, que não poderiam abrir mão de áreas produtivas para manter a
reserva, o texto não traz essa flexibilização apenas aos agricultores
familiares, como seria lógico e foi defendido ao longo do processo legislativo
por organizações socioambientalistas e camponesas. Com isso, permite que mesmo
proprietários que tenham vários imóveis menores de 4 MF - e, portanto,
tenham terra mais que suficiente para sua sobrevivência - possam se isentar da
recuperação da RL. Ademais, abre brechas para que imóveis maiores do que esse
tamanho, mas com matrículas desmembradas, se beneficiem dessa isenção. Essa
isenção fará com que mais de 90% dos imóveis do país sejam dispensados de
recuperar suas reservas legais e jogaria uma pá de cal no objetivo de
recuperação da Mata Atlântica, pois, segundo dados do Ipea, 67% do passivo de
reserva legal está em áreas com até 4 módulos.
12. Cria
abertura para discussões judiciais infindáveis sobre a necessidade de
recuperação da RL (art.69). A pretexto de deixar claro que aqueles que
respeitaram a área de reserva legal de acordo com as regras vigentes à época
estão regulares, ou seja, não precisam recuperar áreas caso ela tenha sido
aumentada posteriormente (como ocorreu em áreas de floresta na Amazônia, em
1996), o projeto diz simplesmente que não será necessário nenhuma recuperação,
e permite que a comprovação da legalidade da ocupação sejam com “descrição de
fatos históricos de ocupação da região, registros de comercialização, dados
agropecuários da atividade”. Ou seja, com simples declarações o proprietário
poderá se ver livre da RL, sem ter que comprovar com autorizações emitidas ou
imagens de satélite que a área efetivamente havia sido legalmente desmatada.
13.
Desmonte do sistema de controle da exploração de florestas nativas e transporte
de madeira no País. O texto
do PL aprovado permite manejo da reserva legal para exploração florestal sem
aprovação de plano de manejo (que equivale ao licenciamento obrigatório para
áreas que não estão em reserva legal), desmonta o sistema de controle de origem
de produtos florestais (DOF – Documento de Origem Florestal) ao permitir que
vários sistemas coexistam sem integração. A Câmara rejeitou o parágrafo 5º do
art. 36 do Senado o que significa a dispensa de obrigação de integração dos
sistemas estaduais com o sistema federal (DOF). Como a competência por
autorização para exploração florestal é dos estados (no caso de propriedades
privadas rurais e unidades de conservação estaduais) o governo federal perde
completamente a governança sobre o tráfico de madeira extraída ilegalmente
(inclusive dentro de Unidades de conservação federais e terras indígenas) e de
outros produtos florestais no País. Essa lacuna não é sanável pelo veto
presidencial.
Há ainda
outros pontos problemáticos no texto aprovado confirmado pela Câmara cujo veto
é fundamental e que demonstram a inconsistência do texto legal, que se não for
vetado por completo resultará numa colcha de retalhos.
A todos
estes pontos se somam os vícios de origem insanáveis deste PL como é o caso da
definição injustificável da data de 22 de julho de 2008 como marco zero para
consolidação e anistia de todas irregularidades cometidas contra o código
florestal em vigor desde 1965. Mesmo que fosse levado em conta a última
alteração em regras de proteção do código florestal esta data não poderia ser
posterior a 2001, isso sendo muito generoso, pois a última alteração em regras
de APP foi realizada em 1989.
Por essas
razões não vemos alternativa sensata à Presidente da República se não o Veto
integral ao PL 1876/99.
* Em 02
de maio de 2012, por André Lima – Advogado, mestre em Política e Gestão
Ambiental pela UnB, Assessor de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia (IPAM), Consultor Jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica
e Sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade, Raul Valle
– Advogado, mestre em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo e Coordenador Adjunto do Instituto Socioambiental e Tasso
Azevedo – Eng. Florestal, Consultor e Empreendedor Sociambiental,
Ex-Diretor Geral do Serviço Florestal Brasileiro.
Assine a Petição: Veta Dilma
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