terça-feira, 16 de agosto de 2011

PRESIDENTE DILMA: COM QUEM GOVERNAR?



Para quem acompanha a política brasileira há mais tempo, já não estranha o anúncio de reorganização de mais um Centrão no Congresso Nacional. Sempre que o Executivo passa a governar sem levar em conta os interesses dos que seriam sua base de apoio, há os profissionais da ameaça de boicote e de quebra do compromisso de sustentação parlamentar.

Se isso tivesse como motivação a defesa de valores desrespeitados pelo Governo, ou de falhas graves na condução da administração pública, poderia ter alguma justificativa. Mas a motivação não tem sido essa.

O que está levando a esse tipo de ameaça é o desejo de dar uma resposta à ação governamental que investiga denúncias claras de corrupção em ministérios comandados por pessoas indicadas pelos partidos da base aliada. Em outras palavras, ou o governo deixa de agir contra a corrupção, ou os partidos se sentirão perseguidos e com direito de abandonar a base aliada ou de organizar-se na forma de centrão para cobrar mudanças na forma de atuação do governo.

Como fica a cidadania diante desse modo de agir dos legisladores federais e dos seus partidos? Reconhece legitimidade em sua prática e os ajuda a pressionar o governo para ser menos rigoroso? Ou decide apoiar o governo e exigir que seja absolutamente rigoroso na fiscalização do uso dos recursos públicos, que são de todos os cidadãos e cidadãs e devem ser usados exclusivamente em seu favor?

O vírus da corrupção se alastrou perigosamente na sociedade brasileira, e manifesta-se nas práticas de não perder oportunidades de levar alguma vantagem em relação ao que é público. A fonte dessa prática estaria na constituição genética dos brasileiros/as, ou seria fruto de um contágio que tem origem no caráter do próprio Estado? A pesquisa tem revelado que o Estado nasceu, cresceu e continua oligárquico e patrimonialista; e para manter-se, utiliza com grande esperteza o clientelismo. Em outras palavras, como o recurso público deve ser direcionado, nesse tipo de Estado, para o apoio dos interesses do pequeno e poderoso número dos oligarcas, a prática de governo torna-se normalmente corrupta; ou melhor, são os que questionam o domínio e o uso oligárquico do Estado que percebem corrupção nas práticas que, para os oligarcas, são naturais, destinando os recursos para os que sabem fazer bom uso deles, aumentando cada vez mais seu poder.

Por isso, quem deseja democratizar um Estado tão dominado como o brasileiro só dispõe, em minha percepção, de três caminhos, sendo que um deles, a revolução armada, está fora de cogitação. Os outros dois são estes: 1) derrubar o controle oligárquico por meio das eleições, deixando de eleger pessoas comprometidas com a oligarquia, elegendo pessoas comprometidas com mudanças efetivamente democratizadoras; 2) ou fazer tudo isso e, ao mesmo tempo, levar a pessoa que é eleita para a responsabilidade da Presidência da República a dar-se conta de que ela, antes e acima de seu cargo de Chefe de Governo, é Chefe de Estado. Como Chefe de Estado, cabe-lhe a missão de zelar pela soberania nacional, enfrentando as forças que a ameaçam por meio da mobilização da soberania popular.

Faz uma falta danada a separação entre Chefia de Governo e Chefia do Estado, como acontece nos regimes parlamentaristas. Em nosso caso, a responsabilidade de Chefe de Estado é subsumida pela de Governo, e a prática da soberania é repassada ao Exército e não ao conjunto da cidadania.

Diante da prática reiterada de articulações entre partidos com a finalidade de constituir-se em centrão, somando forças para enquadrar o governo aos seus interesses, a atual Presidente poderia lembrar ao Congresso que ele não é a única fonte de legitimidade governamental. Não é a única e, na prática, só o é de forma delegada, através da confiança que parte da cidadania depositou em cada congressista. Por isso, como Chefe de Estado, se for necessário prosseguir as ações governamentais de enfrentamento da corrupção que desvia o Estado de sua finalidade democrática, a Presidente pode e deve buscar sustentação e legitimidade diretamente com a única fonte soberana de poder num Estado democrático: a soberania popular. Se for necessário defender o meio ambiente, indispensável para todos os seres viventes, ameaçado por propostas aprovadas por um Congresso que julga normal decidir em causa própria e/ou dobrar-se aos interesses de uma minoria de empresários e grileiros ligados ao agronegócio, a Chefe de Estado pode e deve buscar apoio na soberania popular para tomar a decisão, evitando deixar-se encurralar por grupos formados por ruralistas ou por qualquer tipo de centrão.

Em outras palavras, a Chefia de Estado tem a ver com a preservação da soberania política, com a preservação dos valores que são fundamento da sociedade brasileira e com a preservação da unidade territorial, e para isso ela se relaciona com a soberania popular. Sempre que houver conflito grave entre a forma de exercício do poder congressual, que é delegado, e os valores e direitos da população que constitui a sociedade brasileira, a soberania popular deve ser mobilizada para decidir, por maioria, o que considera mais justo e adequado para todas as pessoas e para o meio ambiente da vida.

Para isso, é urgente que a prática de plebiscitos e referendos se torne algo normal, pois eles são exercício direto de poder do único soberano de uma sociedade em democratização. E, por isso, é urgente que a própria cidadania se rebele contra o Congresso e libere sua soberania, indevida e inconstitucionalmente seqüestrada na regulamentação do Artigo 14 de Constituição Federal: de fato, como se pode aceitar que a soberania esteja submetida a decisões do Congresso, um poder delegado e, por isso, inferior, para realizar plebiscitos e referendos? Trata-se de um caso clássico de usurpação de poder, típico de um Estado ainda oligárquico, que derrotou a cidadania, ainda em 1986, decidindo que ele, Congresso, se tornaria Assembleia Constituinte, e que, por isso, deixou tudo que lhe interessava sem aplicação direta, dependendo de leis e regulamentações. Foi numa dessas que o Artigo 14, que reconhece e afirma a soberania popular direta, ficou a mercê do Congresso para ser colocado em prática.

Como conclusão, vale destacar: 1) Presidente Dilma, lembre que é Chefe de Estado e que pode e deve decidir com a cidadania soberana, sempre que for necessário; 2) cidadãos e cidadãs, cabe-nos criar um movimento para libertar a soberania popular, exigindo que a cidadania possa autoconvocar-se, sem depender de ninguém, para decidir diretamente através de plebiscitos e referendos sobre as grandes questões que dizem respeito à qualidade de nossa vida e à vida da Terra.

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