quarta-feira, 17 de agosto de 2011

CRISE INTERNACIONAL: QUAL A SAÍDA?



Para refletir sobre possíveis saídas para a crise internacional, que agora é percebida como crise da dívida, é preciso ter presente algumas perguntas:
- há possibilidade de mudanças por parte do mercado financeiro globalizado, abandonando seu caminho de multiplicação de dinheiro a partir de dinheiro, títulos e derivativos?
- há possibilidade de mudanças na relação de domínio do capital financeiro sobre as políticas econômicas dos Estados?
- há possibilidade de recuperação da economia globalizada no caminho de aumento significativo da produção, circulação e consumo internacionalizados?

Pode-se partir da terceira: a não ser que se continue apostando no agravamento da crise do planeta, não existe esta possibilidade. Na verdade, a humanidade já está atrasada em sua decisão de diminuir e mudar a qualidade da produção, centrando-se nas necessidades reais, reduzindo a emissão de gases que potenciam o aquecimento que provoca eventos climáticos cada vez mais extremos.

Se procurarmos responder a primeira pergunta, tudo indica que a decisão definitiva dos senhores do mercado é a de fazer mais do mesmo. Basta ter presente que, na fase atual da crise, os Estados, já endividados por terem transferido vultosos recursos – algo próximo a 20 trilhões de dólares! – aos bancos e empresas que, segundo eles próprios, eram grandes demais para quebrar sem provocar uma crise generalizada, agora se vêem pressionados e submetidos aos mesmos bancos para levantarem empréstimos com o objetivo de equilibrar suas contas públicas – endividando-se cada vez mais e merecendo, por isso, novas e mais graves desconfianças do mercado financeiro. Em outras palavras, não mudaram em nada; apenas deram um passo a mais na direção do controle sobre as finanças públicas.

Para a segunda pergunta, a maioria dos Estados, através de seus governos e congressos, tem declarado que não seria possível. Sua prática revela total obediência às ordens do mercado financeiro: mudam suas políticas sociais e encaminham a privatização do que ainda é possível. Em outras palavras, para quase todos os Estados, a população deve pagar a conta.

O problema é que, assim como aconteceu na implementação da política financeira que agora não consegue sair da crise, novamente o Estado não está consultando a população para saber se aceita pagar a conta. E a população, na hora que se dá conta do que realmente está acontecendo, e isso muitas vezes se revela no desemprego, na perda da casa, na falta de renda mínima para viver, está tendendo a dizer que essa conta não pode ser cobrada dela.

Daí a importância da reflexão sobre as possíveis saídas dessa crise. Examino algumas alternativas em debate.
Há os economistas comprometidos ideologicamente com o mercado financeiro, que repetem: a saída depende de apertos nas contas públicas, diminuindo ainda mais os gastos sociais, criando condições para manter em dia o pagamento dos custos das dívidas públicas crescentes. Estão cegos, evidentemente, e já não percebem que o round atual da crise é justamente a crise das dívidas.

Há, por outro lado, cientistas políticos que já falam que guerras serão inevitáveis, justamente porque uma saída via pacto seria sempre combatida pelos agentes do mercado e pelos governos com eles comprometidos. E a população não se submeterá a sacrifícios permanentes, justamente por serem inaceitáveis frente à concentração da riqueza, cada vez mais escandalosa e escancarada.

Por isso, vai crescendo, na mobilização dos que já se autodenominam indignados, o debate sobre a aposta em duas saídas interligadas: 1) a realização de auditorias das políticas e gestões financeiras dos Estados, da sua relação com o mercado financeiro e, finalmente, da própria gestão dos bancos privados, uma vez que se trata de um serviço que afeta os Estados e atinge a vida de toda a população; 2) a convocação da cidadania para que decida, através de referendos ou plebiscitos, o que os governos devem fazer para enfrentar a crise, passada por eles aos cidadãos e cidadãs para atender às pressões dos bancos.

As duas medidas supõem que, numa sociedade democrática, até a economia deve ser decidida pela cidadania. Isto é, partem da necessidade de desnaturalizar as relações econômicas: elas não são algo técnico, que nada teriam a ver com a política e com a ética. Na verdade, elas são relações historicamente datadas, desenvolvidas a partir do exercício do poder, justificadas por uma ética adequada ao jogo concorrencial proposto e realizado pelo capitalismo. E assim como foram gestadas por iniciativas de grupos humanos, podem e, se for o caso, devem ser controladas e modificadas para colocá-las a serviço da vida.

O povo da Islândia demonstrou que isso é possível através da democracia direta, isto é, através da consulta à cidadania por meio de referendo e plebiscito. E isso pode ser conquistado pela própria cidadania, exigindo ser consultada quando não concorda com decisões tomadas pelo Governo e pelo Congresso. No caso em foco, esta reivindicação popular teve respaldo do Chefe de Estado, o Presidente da República. O Referendo modificou a proposta do Governo e a decisão do Congresso, que encaminhavam o país para as medidas exigidas pelo mercado financeiro: transferir recursos públicos aos bancos e empresas endividadas. Além disso, exigiu que se estatizassem os bancos, fossem feitas auditorias e seus diretores fossem levados a julgamento pelos atos que provocaram a bancarrota. Num segundo round, um Plebiscito definiu que o Governo da Islândia não devia pagar aos governos da Holanda e da Inglaterra o que haviam pago aos investidores especulativos que apostaram nos bancos islandeses.

Nas duas decisões soberanas prevaleceram os seguintes princípios: 1) se alguém apostou em ganhos especulativos e os intermediários quebraram, a aposta foi equivocada, e cabe aos bancos que promoveram a especulação responder pelos prejuízos; 2) se outros governos, em lugar de cobrar dos bancos, assumem suas dívidas, não podem exigir igual procedimento de outro país soberano; 3) não é justo repassar dívidas públicas ou privadas à população sem que, antes, passem por auditoria que determine os responsáveis, encaminhe a punição que merecem e defina as mudanças que devem ser feitas para evitar novos erros.

O fato é que o povo islandês demonstrou que é possível tomar decisões sobre a economia, mesmo quando em crise, através da prática da democracia. Só que isso mexe com as pretensões dos empresários capitalistas, comandados pelo capital financeiro, de definir a política econômica que o Estado deve seguir. Ou melhor, restabelece a soberania do Estado sobre as pretensões de domínio das grandes corporações transnacionais sobre a economia mundial.

Completando o processo, os islandeses deram-se conta da necessidade de mudar a Constituição, colocando nela mecanismos que evitem novas crises como a experimentada, que levou o país a uma dívida, ou a compromissos privados de ganhos futuros, em algo próximo a nove vezes o seu PIB. A nova Constituição está sendo elaborada por uma Assembleia exclusivamente eleita para isso, e seus integrantes estão avançando em sua elaboração consultando a cidadania através da internet, aprofundando a prática da democracia direta. O Referendo final consolidará o processo participativo.

O desaparecimento da Islândia do noticiário da grande mídia mundial não se deve ao julgamento do mercado como um mau exemplo de enfrentamento da crise? E isso não confirma a submissão da mídia ao capital financeiro internacionalizado?

O fato é que, até o momento, quem não leva em consideração este bom exemplo de democracia não consegue ver saídas para a crise, cada dia mais mundializada. Os que apostam em mais do mesmo, como cegos guiando outros cegos, aproximam a humanidade de situações insustentáveis, podendo levar a violências sociopolíticas e desequilíbrios cada vez mais profundos da Terra.

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