COMO SE CHEGOU A ESSE ABSURDO NA ECONOMIA MAIOR DO MUNDO: AS TRÊS PESSOAS MAIS RICAS TÊM TANTA RIQUEZA QUANTO A METADE INFERIOR DE TODOS OS NORTE-AMERICANOS? E QUE, NESSA METADE, 30 MILHÕES NÃO TÊM COMIDA SUFICIENTE?
MAS NÃO SE ADMIREM DEMAIS: O BRASIL VAI NA MESMA DIREÇÃO. E O QUE AJUDA A ENTENDER O GOVERNO TRAMP, AJUDA A ENTENDER BOLSONARO.
LEIAM, REFLITAM E JUNTEM-SE PARA DECIDIR O QUE NOS CABE COMO SUJEITOS DA NOSSA HISTÓRIA.
Dia do Trabalho 2020: a mudança de poder
Por Robert Reich
No Dia do Trabalho
[comemorado este ano em 7 de setembro nos EUA], apenas oito semanas
antes de uma das eleições mais importantes da história norte-americana, é
útil considerar a realidade econômica que alimentou a vitória de Donald
Trump quatro anos atrás.
Nenhuma outra nação desenvolvida tem,
nem de longe, as desigualdades de renda e riqueza encontradas nos
Estados Unidos, embora todas essas nações tenham sido expostas às mesmas
forças da globalização e da mudança tecnológica. As três pessoas mais
ricas dos EUA têm tanta riqueza quanto a metade inferior de todos os
norte-americanos juntos, mesmo com 30 milhões de norte-americanos
relatando que suas famílias não tinham comida suficiente.
O capitalismo americano está fora dos trilhos.
A
principal razão é que grandes corporações, bancos de Wall Street e um
punhado de indivíduos extremamente ricos ganharam poder político
suficiente para burlar o sistema.
Os executivos-chefes têm feito
todo o possível para evitar que os salários da maioria dos trabalhadores
aumentem juntamente com os ganhos de produtividade, de modo que a
maioria dos ganhos vai para os bolsos dos principais executivos e
grandes investidores.
Eles terceirizaram no exterior, instalaram
tecnologias de substituição de mão de obra e passaram a trabalhar em
regime de meio período ou por contrato. Eles destruíram os sindicatos,
cujos membros representavam 35% da força de trabalho do setor privado há
40 anos e hoje diminuíram para 6,2%. Eles neutralizaram a aplicação da
lei antitruste, permitindo que seus monopólios tivessem rédeas soltas.
O chamado mercado livre foi dominado pelo capitalismo de compadrio, resgates às corporações e bem-estar corporativo.
Essa
enorme mudança de poder lançou as bases para Trump. Em 1964, quase dois
terços dos norte-americanos acreditavam que o governo era dirigido para
o benefício de todas as pessoas. Em 2013, quase 80% acreditavam que o
governo era dirigido por alguns poucos grandes interesses.
Grande
parte do establishment político deseja atribuir a ascensão de Trump
apenas ao racismo. O racismo desempenhou um papel, com certeza, mas a
história sórdida do racismo na política norte-americana é muito anterior
a Trump.
O que deu ao racismo de Trump - assim como sua odiosa
xenofobia e misoginia - virulência particular foi sua capacidade de
canalizar a raiva cada vez maior da classe trabalhadora branca. Não é a
primeira vez que um demagogo usa bodes expiatórios para desviar a
atenção do público das verdadeiras causas de seu sofrimento.
Trump
fala a linguagem do populismo autoritário, mas age no interesse da
oligarquia emergente da América. Seu trato com os interesses dos
endinheirados foi simples: ele alimentaria a divisão para que os
norte-americanos não vissem como a oligarquia assumiu as rédeas,
distorceu o governo em seu benefício e desviou as recompensas
econômicas.
Ele deixaria os norte-americanos com tanta raiva uns
dos outros que não prestariam atenção aos CEOs recebendo salários
exorbitantes, enquanto cortavam o salário dos trabalhadores médios; não
notariam o corte gigantesco de impostos que foi para as grandes
corporações e para os ricos; e não ficariam indignados com a cultura dos
conselhos de administração que tolera conflitos de interesses
financeiros, informações privilegiadas e o suborno total de funcionários
públicos por meio de doações ilimitadas para campanha.
Dessa
forma, os interesses pecuniários podem manipular o sistema enquanto
Trump reclama que o sistema é manipulado por um "estado profundo".
Apesar
de tudo isso, a falha indesculpável de Trump em conter o coronavírus
está tendo um impacto maior sobre os eleitores indecisos do que a
divisão que ele fomenta. A morte tem um jeito de fazer a mente se
concentrar.
Mas se Joe Biden for eleito, seria bom se lembrar das
forças que Trump explorou para ganhar o poder e começar a tarefa de
remediá-las. A solução não está na mera redistribuição de renda. É
encontrada na redistribuição de poder.
Se a riqueza continuar a
se concentrar no topo, ninguém será capaz de conter a influência
corruptora do dinheiro grosso no sistema norte-americano e a raiva que
ele desencadeia. Como o juiz Louis D Brandeis disse uma vez: “Podemos
ter democracia neste país ou podemos ter uma grande riqueza concentrada
nas mãos de poucos, mas não podemos ter os dois”.
*Publicado originalmente no site do autor | Tradução de César Locatelli
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Dia-do-Trabalho-2020-a-mudanca-de-poder/6/48670
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