VEJAM RELATO DO PRÁTICA DEMOCRÁTICA E POSITIVAMENTE DIPLOMÁTICA DOS 47 POVOS QUE ELABORARAM EM CONJUNTO E PUBLICARAM SUA DECLARAÇÃO EM RELAÇÃO À REALIDADE HOSTIL QUE OS ENVOLVE EM 2020.
É FUNDAMENTAL QUE APOIEMOS A SUA LUTA PELO DIREITO DE SEREM POVOS, E POR ISSO, DIFERENTES. QUE 2020 SEJA ANO DE OCUPAÇÃO DAS RUAS, COMO SINALIZADO NO DOCUMENTO.
IHU - 20 de janeiro de 2020
Em um momento de pouco diálogo e muitas brigas no meio político internacional, 47 povos indígenas brasileiros se reuniram entre os dias 14 e 17 de janeiro para dar uma aula de diplomacia. O Encontro dos Povos Mebengokrê e Lideranças Indígenas do Brasil era um desejo que o cacique Raoni Metuktire
nutria há três anos: um momento em que as diferentes lideranças de
povos indígenas que vivem espalhados pelo território brasileiro
estivessem finalmente juntos e que, em união, pudessem assinar um
compromisso de defesa de seus direitos. Intitulado Manifesto do Piaraçu - das Lideranças Indígenas e Caciques do Brasil na Piaraçu,
o documento de quatro páginas sintetiza as principais demandas de todos
os signatários e o compromisso de esforço coletivo para construção de
uma agenda política nacional e internacional em defesa da natureza.
A reportagem é de Helena Borges, publicada por El País, 19-01-2020.
A construção do texto final se assemelhou aos procedimentos
diplomáticos para assinatura de acordos internacionais. Primeiro foram
realizadas mesas de conversa por três dias. As grandes pautas abordadas
foram os assassinatos de lideranças; os empreendimentos governamentais previstos para serem construídos sobre as Terras Indígenas; a atividade garimpeira e do mercado de mineração; a ação de madeireiros ilegais; a municipalização do sistema de saúde indígena, que ignora o tratamento especial dado atualmente a essas comunidades; e o desmonte da Funai.
O relatório original de trinta páginas foi então finalmente convertido por jovens indígenas formados em Direito em um documento enxuto, apresentado em português, por meio do qual eles denunciavam o “projeto político do Governo brasileiro de genocídio, etnocídio e ecocídio”.
“As ameaças e as falas de ódio do atual governo estão promovendo a
violência contra os povos indígenas, os assassinatos de nossas
lideranças e a invasão de nossas terras", afirma o relatório. “O atual
presidente da República está ameaçando os nossos direitos, a nossa saúde
e o nosso território. (...) O governo atual está nos atacando, querendo
tirar a terra de nossas mãos.”
Sob a cobertura de palha da Casa dos Homens, espaço que usado como plenária ao longo do encontro, Raoni estava cercado de outros caciques Kayapó enquanto os jovens liam a primeira proposta do texto. Os anciões pediram que os 47 povos
pudessem se organizar em delegações ―pequenos grupos que se reuniram em
rodas pela aldeia―, formados pelos anciões de cada povo e um jovem que
pudesse traduzir o documento do português para a língua nativa de cada
um. Após cada delegação ouvir a tradução em seu idioma, as lideranças
fizeram uma lista de propostas de emenda ao documento.
Com as mudanças solicitadas em mãos, todos os líderes se reuniram mais uma vez na Casa dos Homens e as propostas foram votadas uma a uma. Entre elas, que fosse incluída a frase: “Não admitimos que o Brasil
seja colocado à venda para outros países que têm interesse de explorar o
nosso território”. Também houve muito debate sobre o título, que foi
definido por consenso de forma a deixar claro que as afirmativas ali
partiam de inúmeros líderes indígenas, que reconhecem Raoni
como a liderança de todos. “Só nós podemos falar sobre nós e por nós
mesmos. Não admitimos que nossos caciques sejam desrespeitados, assim
como Bolsonaro fez em 2019 em seu discurso durante o encontro na ONU contra o cacique Raoni.
Afirmamos que o Cacique Raoni é SIM [em letras maiúsculas] a nossa liderança. Ele nos representa!", continua o texto.
Os líderes indígenas
também decidiram em unanimidade dar destaque para a defesa dos
territórios, o combate à atividade minerária, de garimpo e de
madeireiras e ao arrendamento de terras. “Nós não aceitaremos garimpo,
mineração, agronegócio e arrendamento em nossas terras, não aceitamos
madeireiros, pescadores ilegais, hidrelétricas ou outros
empreendimentos, como Ferrogrão, que venham nos
impactar de forma direta e irreversível”, afirmou o documento. Por fim,
as nações indígenas reiteraram esperar que as palavras redigidas em
papel ecoem pelas ruas, por meio de manifestações no Brasil e no
exterior. “2020 será um ano de muita luta, (...) de muitas mobilizações
(...) em Brasília e nas ruas do mundo todo”, diz o documento.
E assim, após nove horas de negociação entre os povos, o texto final foi assinado pelas principais lideranças. Três mulheres kayapó (Maialu, Mayal e Moé) fizeram a relatoria do documento. Maialu, filha do cacique Megaron Metuktire, braço direito de Raoni, foi quem encerrou a mesa. Uma dança marcou a conclusão da elaboração do manifesto e a retomada da aliança dos povos da floresta. O momento retratou a união entre povos fisicamente distantes, do Rio Grande do Sul ao Pará, e de reconciliação oficial entre nações que já tiveram desavenças, agora deixadas para trás.
http://www.ihu.unisinos.br/595732-a-semana-em-que-47-povos-indigenas-brasileiros-se-uniram-por-um-manifesto-anti-genocidio
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