quinta-feira, 31 de março de 2016

PARA ALÉM DA MÉTRICA DO CARBONO

UM EXCELENTE ALERTA: MUITAS ABSTRAÇÕES QUANTITATIVAS, POR MAIS QUE TENTEM APRESENTAR-SE COMO "CIENTÍFICAS" PODEM, E SÃO, FUGAS DA REALIDADE, DESVIOS DE CAMINHOS QUE DEVEM SER PERCORRIDOS. AS TRANSFORMAÇÕES QUE DEVEM SER REALIZADAS PARA EVITAR O PIOR EM RELAÇÃO ÀS CONSEQUÊNCIAS DO AQUECIMENTO GLOBAL VÃO MUITO ALÉM DO DA APLICAÇÃO DA MÉTRICA DO CARBONO... QUANTO MAIS DISTANTES DOS PROCESSOS NATURAIS, MAIORES OS RISCOS DE FRACASSO E DE AGRAVAMENTO

https://www.project-syndicate.org/print/climate-change-alternative-approaches-by-camila-moreno-et-al-2016-03/portuguese

MAR 29, 2016

por Camila Moreno, Daniel Speich Chassé e Lili Fuhr

Para além da métrica do carbono

BERLIM – Ao longo dos últimos dez anos, as "alterações climáticas" tornaram-se quase sinônimo de "emissões de carbono". A redução dos gases com efeito estufa na atmosfera, medidos em toneladas de "dióxido de carbono equivalente" (CO2e), tornou-se o objectivo primordial na procura da preservação do planeta. No entanto, não é concebível que uma abordagem tão simplista consiga resolver as crises ecológicas altamente complexas e interligadas que enfrentamos atualmente.
O foco quase exclusivo da política ambiental global na "métrica do carbono" reflete uma obsessão mais profunda relativa à mensuração e à contabilização. O mundo rege-se por abstrações (calorias, quilômetros, quilogramas, e agora toneladas de CO2e) que são aparentemente objetivas e confiáveis, especialmente quando incorporadas na linguagem "especializada" (frequentemente no domínio da economia). Consequentemente, tendemos a ignorar os efeitos da história de cada abstração e as dinâmicas de poder e política que continuam a moldá-la.
Um exemplo-chave de uma poderosa e algo ilusória abstração global é o produto interno bruto (PIB), que foi adotado como a principal medida de desempenho e desenvolvimento econômico de um país após a Segunda Guerra Mundial, quando as potências mundiais se dedicavam à criação de instituições financeiras internacionais que deveriam refletir o poder econômico relativo de cada Estado membro. No entanto, atualmente o PIB tornou-se uma fonte de frustração generalizada, uma vez que não reflete  a realidade da vida das pessoas. À semelhança da luz alta dos faróis de de um carro, as abstrações podem iluminar muito, mas podem igualmente tornar invisível aquilo que seu feixe de luz não alcança.
Ainda assim, o PIB continua a ser, de longe, a medida dominante da prosperidade econômica, refletindo a obsessão relativa à universalidade que acompanhou a expansão do capitalismo em todo o mundo. Os pensamentos complexos, matizados e qualitativos e que refletem as especificidades locais não são tão atrativos quanto as explicações lineares, abrangentes e quantitativas.
Quando se trata de alterações climáticas, esta preferência traduz-se no apoio determinado a soluções que reduzem ligeiramente as emissões “líquidas” (net, em inglês) de carbono - soluções que podem ser um obstáculo a grandes transformações econômicas ou comprometer a capacidade das comunidades para definir problemas específicos e criar soluções adequadas. Esta abordagem remonta à Cúpula da Terra realizada no Rio de Janeiro, em 1992, onde a política em matéria de clima entrou numa via acidentada e violenta de alternativas esquecidas. Ao longo dos últimos 25 anos, foram cometidos, pelo menos, três erros críticos.
Em primeiro lugar, os governos introduziram a unidade de cálculo CO2e para quantificar de forma coerente os efeitos de gases com efeito de estufa distintos, como o CO2, o metano e o óxido nitroso. As variações entre estes gases (em termos do seu potencial de aquecimento, do tempo que permanecem na atmosfera, do lugar onde são emitidos e da forma como interagem com os ecossistemas e as economias locais) são consideráveis. Uma única unidade de medida simplifica a questão de forma considerável, dando aos decisores políticos a possibilidade de prosseguirem com uma solução global destinada à concretização de um objetivo primordial específico.
Em segundo lugar, a cúpula da ONU sobre as alterações climáticas destacou as técnicas“de fim-de-linha” (métodos que visam a jusante a remoção dos contaminantes da atmosfera, como em uma chaminé). Isso permitiu aos decisores políticos desviar a atenção do objetivo mais desafiador do ponto de vista político, o de limitar, em primeiro lugar, as atividades que produzem tais emissões.
Em terceiro lugar, os decisores políticos decidiram concentrar-se nas emissões “líquidas”, considerando os processos biológicos que envolvem solos, plantas e animais em conjunto com os processos associados à combustão de combustíveis fósseis. À semelhança das instalações industriais, os arrozais e os bovinos foram considerados como sendo fontes de emissões, e as florestas tropicais, as plantação de monocultivos florestais e os pântanos como sumidouros de emissões. Os decisores políticos começaram a procurar soluções que envolviam a compensação das emissões no exterior ao invés da sua redução no próprio país (ou na fonte).
Em 1997, ano em que o Protocolo de Quioto foi adotado, uma “maior flexibilidade” estava na ordem do dia e o comércio de certificados de emissões (ou licenças para poluir) foi a opção política privilegiada. Decorridas quase duas décadas, o esforço para compensar as emissões não se consolidou apenas na política em matéria de clima, tendo chegado também ao debate mais abrangente em matéria de política ambiental.
Novos mercados para os chamados “serviços ecossistêmicos” (ou serviços ambientais) estão surgindo em todo o mundo. Por exemplo, as medidas de compensação de zonas úmidas nos EUA constituem um dos mais antigos mercados desta natureza, implicando a preservação, melhoria ou criação de, por exemplo, uma zona úmida ou de um curso de água que “compensa” os impactos adversos de um projeto em um ecossistema semelhante situado em outro lugar. Para tanto, são emitidos certificados que podem se comercializados. Os regimes de compensação relativa à biodiversidade funcionam quase da mesma forma: uma empresa ou uma pessoa individual pode comprar “créditos de biodiversidade” (cujo produto é utilizado para apoiar a conservação da floresta) para compensar a sua pegada de carbono.
Se estes regimes parecem um pouco convenientes demais, é porque o são. De fato, esses têm por base o mesmo conceito errado do comércio de emissões e, em alguns casos, traduzem (ou equivalem) efetivamente a biodiversidade e os ecossistemas em CO2e. Em vez de alterar o nosso sistema econômico de modo a ajustá-lo aos limites naturais do planeta, estamos a redefinir a natureza para adaptá-la ao nosso sistema econômico e, nesse processo, acabamos por descartar outras formas de conhecimento e alternativas reais.
Atualmente, na sequência da Conferência das Partes (COP21) sobre as alterações climáticas, realizada em Paris, o mundo está prestes a evoluir novamente no mau sentido, ao aprovar a ideia de “emissões negativas”, que pressupõe que as novas tecnologias serão capazes de remover CO2 da atmosfera. Contudo, estas tecnologias ainda não foram inventadas, e mesmo que o tivessem sido, a sua implementação seria extremamente arriscada.
Em vez de propormos soluções comprovadas (deixar os combustíveis fósseis no subsolo, fazer a transição da agricultura industrial para a agroecologia, criar economias que não gerem resíduos e restaurar os ecossistemas naturais), contamos com uma inovação milagrosa para nos salvar, um deus ex machina, no momento oportuno. A insensatez desta abordagem deveria ser óbvia.
Se a métrica do carbono continuar a moldar a política em matéria de clima, as novas gerações apenas conhecerão um mundo com restrições às emissões de carbono e, se tiverem sorte, com baixas emissões de carbono. Em vez de prosseguir em uma visão tão simplista, devemos procurar estratégias mais ricas destinadas a transformar os nossos sistemas econômicos para trabalhar no - e com - o nosso ambiente natural. Para tanto, é necessária uma nova forma de pensar que estimule o compromisso ativo de recuperar e conservar os espaços onde as abordagens alternativas podem crescer e florescer. Não será fácil, mas valerá a pena.
Tradução: Teresa Bettencourt

https://www.project-syndicate.org/print/climate-change-alternative-approaches-by-camila-moreno-et-al-2016-03/portuguese

terça-feira, 29 de março de 2016

FIM DE FESTA EM BELO MONTE

QUEM DESEJAR UMA REPORTAGEM BEM FEITA SOBRE A SITUAÇÃO EM QUE SE ENCONTRA A POPULAÇÃO NO MOMENTO EM QUE AS OBRAS DA HIDRELÉTRICA BELO MONTE ESTÃO CHEGANDO AO FINAL, VEJA 
http://projetocolabora.com.br/energia/fim-de-festa-em-belo-monte/ 





quinta-feira, 24 de março de 2016

terça-feira, 22 de março de 2016

ÁGUA DO E A PARTIR DO BIOMA CERRADO

LEVEM A SÉRIO AS INFORMAÇÕES  QUE SEGUEM, PORQUE SEM ÁGUA NÃO HÁ VIDA.

Hoje, 22 de março, é comemorado o Dia Mundial da Água. Já imaginou a vida sem água? Descubra ao longo do dia 6 coisas sobre a importante relação entre a Água e o Cerrado.
Leia também: http://goo.gl/aVrV7v









BRASIL AINDA PODE EVITAR O "NOVO" GOLPE

ESTOU DISPONIBILIZANDO UM TEXTO MAIS LONGO PORQUE O CONSIDERO IMPORTANTE PARA COMPREENDER E, A PARTIR DAÍ, ENFRENTAR A CRISE POLÍTICA QUE O PAÍS ENFRENTA. A REFLEXÃO VEM DO SOCIÓLOGO BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, UM PORTUGUÊS QUE ACOMPANHA OS PROCESSOS POLÍTICOS MUNDIAIS, E EM PARTICULAR OS DA AMÉRICA LATINA, DE FORMA PERMANENTE E PARTICIPANTE. 

VALEM A PENA TANTO A ANÁLISE COMO OS DESAFIOS APRESENTADOS COMO CHANCE DE UMA SAÍDA POSITIVA DA CRISE.

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Mc Sofia no palco Canto da Democracia em São Paulo. Foto Ninja
Judiciário e mídia ferem democracia. Lava Jato não é comparável a Mãos Limpas. Na raiz da crise, ilusão grosseira do PT. Guerra não está perdida, mas é preciso mudar já
Por Boaventura de Sousa Santos
Quando, há quase trinta anos, iniciei os estudos sobre o sistema judicial em vários países, a administração da justiça era a dimensão institucional do Estado com menos visibilidade pública. A grande exceção eram os EUA devido ao papel fulcral do Tribunal Supremo nas definições das mais decisivas políticas públicas. Sendo o único órgão de soberania não eleito, tendo um caráter reativo (não podendo, em geral, mobilizar-se por iniciativa própria) e dependendo de outras instituições do Estado para fazer aplicar as suas decisões (serviços prisionais, administração pública), os tribunais tinham uma função relativamente modesta na vida orgânica da separação de poderes instaurada pelo liberalismo político moderno, e tanto assim que a função judicial era considerada apolítica.
Contribuía também para isso o fato de os tribunais só se ocuparem de conflitos individuais e não coletivos e estarem desenhados para não interferir com as elites e classes dirigentes, já que estas estavam protegidas por imunidades e outros privilégios. Pouco se sabia como funcionava o sistema judicial, as características dos cidadãos que a ele recorriam e para que objetivos o faziam.
Tudo mudou desde então até aos nossos dias. Contribuíram para isso, entre outros fatores, a crise da representação política que atingiu os órgãos de soberania eleitos, a maior consciência dos direitos por parte dos cidadãos e o fa to de as elites políticas, confrontadas com alguns impasses políticos em temas controversos, terem começado a ver o recurso seletivo aos tribunais como uma forma de descarregarem o peso político de certas decisões. Foi ainda importante o fato de o neoconstitucionalismo emergente da segunda guerra mundial ter dado um peso muito forte ao controle da constitucionalidade por parte dos tribunais constitucionais. Esta inovação teve duas leituras opostas. Segundo uma das leituras, tratava-se de submeter a legislação ordinária a um controle que impedisse a sua fácil instrumentalização por forças políticas interessadas em fazer tábua rasa dos preceitos constitucionais, como acontecera, de maneira extrema, nos regimes ditatoriais nazis e fascistas. Segundo a outra leitura, o controle da constitucionalidade era o instrumento de que se serviam as classes políticas dominantes para se defenderem de possíveis ameaças aos seus interesses decorrentes das vicissitudes da política democrática e da “tirania das maiorias”. Como quer que seja, por todas estas razões surgiu um novo tipo de ativismo judiciário que ficou conhecido por judicialização da política e que inevitavelmente conduziu à politização da justiça.
Classes dominantes viram, na politização do Judiciário,
recurso para se defender dos “riscos” da democracia
e da suposta “tirania das maiorias”
A grande visibilidade pública dos tribunais nas últimas décadas resultou, em boa medida, dos casos judiciais que envolveram membros das elites políticas e econômicas. O grande divisor de águas foi o conjunto de processos criminais que atingiu quase toda a classe política e boa parte da elite econômica da Itália conhecido por Operação Mãos Limpas. Iniciado em Milão em abril de 1992, consistiu em investigações e prisões de ministros, dirigentes partidários, membros do parlamento (em certo momento estavam a ser investigados cerca de um terço dos deputados), empresários, funcionários públicos, jornalistas, membros dos serviços secretos acusados de crimes de suborno, corrupção, abuso de poder, fraude, falência fraudulenta, contabilidade falsa, financiamento político ilícito.
Dois anos mais tarde tinham sido presas 633 pessoas em Nápoles, 623 em Milão e 444 em Roma. Por ter atingido toda a classe política com responsabilidades de governação no passado recente, o processo Mãos Limpas abalou os fundamentos do regime político italiano e esteve na origem da emergência, anos mais tarde, do “fenômeno” Berlusconi. Ao longo dos anos, por estas e por outras razões, os tribunais têm adquirido grande notoriedade pública em muitos países. O caso mais recente e talvez o mais dramático de todos os que conheço é a Operação Lava Jato no Brasil.
Iniciada em março de 2014, esta operação judicial e policial de combate à corrupção, em que estão envolvidos mais de uma centena de políticos, empresários e gestores, tem-se vindo a transformar pouco a pouco no centro da vida política brasileira. Ao entrar na sua 24ª fase, com a implicação do ex-presidente Lula da Silva e com o modo como foi executada, está provocando uma crise política de proporções semelhantes à que antecedeu o golpe de Estado que em 1964 instaurou a uma odiosa ditadura militar que duraria até 1985. O sistema judicial, que tem a seu cargo a defesa e garantia da ordem jurídica, está transformado num perigoso fator de desordem jurídica. Medidas judiciais flagrantemente ilegais e inconstitucionais, a seletividade grosseira do zelo persecutório, a
promiscuidade aberrante com a mídia ao serviços das elites políticas conservadoras, o hiper-ativismo judicial aparentemente anárquico, traduzido, por exemplo, em 27 liminares visando o mesmo ato político, tudo isto conforma uma situação de caos judicial que acentua a insegurança jurídica, aprofunda a polarização social e política e põe a própria democracia brasileira à beira do caos.
Com a ordem jurídica transformada em desordem jurídica, com a democracia sequestrada pelo órgão de soberania que não é eleito, a vida política e social transforma-se num potencial campo de despojos à mercê de aventureiros e abutres políticos. Chegados aqui, várias perguntas se impõem. Como se chegou a este ponto? A quem aproveita esta situação? O que deve ser feito para salvar a democracia brasileira e as instituições que a sustentam, nomeadamente os tribunais? Como atacar esta hidra de muitas cabeças de modo a que de cada cabeça cortada não cresçam mais cabeças? Procuro identificar neste texto algumas pistas de resposta.
Como chegamos a este ponto?
Por que razão a Operação Lava Jato está ultrapassando todos os limites da polêmica que normalmente suscita qualquer caso mais saliente de ativismo judicial? Note-se que a semelhança com os processos Mãos Limpas na Itália tem sido frequentemente invocada para justificar a notoriedade e o desassossego públicos causado pelo ativismo judicial. Mas as semelhanças são mais aparentes do que reais.
Há, pelo contrário, duas diferenças decisivas entre as duas operações. Por um lado, os magistrados italianos mantiveram um escrupuloso respeito pelo processo penal e, quando muito, limitaram-se a aplicar normas que tinham sido estrategicamente esquecidas por um sistema judicial conformista e conivente com os privilégios das elites políticas dominantes na vida política italiana do pós-guerra. Por outro lado, procuraram investigar com igual zelo os crimes de dirigentes políticos de diferentes partidos políticos com responsabilidades governativas.
Por sua partidarização, Lava-Jato não pode ser comparada
à Mãos Limpas. Talvez esteja instalando uma
República Judicial das Bananas
Assumiram uma posição politicamente neutra precisamente para defender o sistema judicial dos ataques que certamente lhe seriam desferidos pelos visados das suas investigações e acusações. Tudo isto está nos antípodas do triste espetáculo que um setor do sistema judicial brasileiro está a dar ao mundo. O impacto do ativismo dos magistrados italianos chegou a ser designado por República dos Juízes. No caso do ativismo do setor judicial lava-jatista, podemos falar, quando muito, de República judicial das bananas. Por que? Pelo impulso externo que com toda a evidência está por detrás desta específica instância de ativismo judicial brasileiro e que esteve em grande medida ausente no caso italiano. Esse impulso dita a escancarada seletividade do zelo investigativo e acusatório. Embora estejam envolvidos dirigentes de vários partidos, a Operação Lava Jato, com a conivência da mídia, tem-se esmerado na implicação de líderes do PT com o objetivo, hoje indisfarçável, de suscitar o assassinato político da Presidente Dilma Roussef e do ex-Presidente Lula da Silva.
Pela importância do impulso externo e pela seletividade da ação judicial que ele tende a provocar, a Operação Lava Jato tem mais semelhanças com uma outra operação judicial ocorrida na Alemanha, na República de Weimar, depois do fracasso da revolução alemã de 1918. A partir desse ano e num contexto de violência política provinda, tanto da extrema esquerda como da extrema direita, os tribunais alemães revelaram uma dualidade chocante de critérios, punindo severamente a violência da extrema esquerda e tratando com grande benevolência a violência da extrema direita, a mesma que anos mais tarde iria a levar Hitler ao poder. No caso brasileiro, o impulso externo são as elites econômicas e as forças políticas ao seu serviço que não se conformaram com a perda das eleições em 2014 e que, num contexto global de crise da acumulação do capital, se sentiram fortemente ameaçadas por mais quatro anos sem controlar a parte dos recursos do país diretamente vinculada ao Estado em que sempre assentou o seu poder. Essa ameaça atingiu o paroxismo com a perspetiva de Lula da Silva, considerado o melhor Presidente do Brasil desde 1988 e que saiu do governo com uma taxa de aprovação de 80%, vir a postular-se como candidato presidencial em 2018.
A partir desse momento, a democracia brasileira deixou de ser funcional para este bloco político conservador e a desestabilização política começou. O sinal mais evidente da pulsão anti-democrática foi o movimento pelo impeachment da Presidente Dilma poucos meses depois da sua tomada de posse, algo, senão inédito, pelo menos muito invulgar na história democrática das três últimas décadas. Bloqueados na sua luta pelo poder por via da regra democrática das maiorias (a “tirania das maiorias”), procuraram pôr ao seu serviço o órgão de soberania menos dependente do jogo democrático e especificamente desenhado para proteger as minorias, isto é, os tribunais.
A Operação Lava Jato, em si mesma uma operação extremamente meritória, foi o instrumento utilizado. Contando com a cultura jurídica conservadora dominante no sistema judicial, nas Faculdades de Direito e no país em geral, e com uma arma mediática de alta potência e precisão, o bloco conservador tudo fez para desvirtuar a Operação Lava Jata, desviando-a dos seus objetivos judiciais, em si mesmos fundamentais para o aprofundamento democrático, e convertendo-a numa operação de extermínio político. O desvirtuamento consistiu em manter a fachada institucional da Operação Lava Jato, mas alterando profundamente a estrutura funcional que a animava por via da sobreposição da lógica política à lógica judicial. Enquanto a lógica judicial assenta na coerência entre meios e fins ditada pelas regras processuais e as garantias constitucionais, a lógica política, quando animada pela pulsão anti-democrática, subordina os fins aos meios, e é pelo grau dessa subordinação que define a sua eficácia.
No poder, PT governou à moda antiga. E acreditou
que seria tratado com benevolência, ao
cometer as irregularidades de sempre
Em todo este processo, três grandes fatores jogam a favor dos desígnios do bloco conservador. O primeiro resultou da dramática descaracterização do PT enquanto partido democrático de esquerda. Uma vez no poder, o PT decidiu governar à moda antiga (isto é, oligárquica) para fins novos e inovadores. Ignorante da lição da República de Weimar, acreditou que as “irregularidades” que cometesse seriam tratadas com a mesma benevolência com que eram tradicionalmente tratadas as irregularidades das elites e classes políticas conservadoras que tinham dominado o país desde a independência. Ignorante da lição marxista que dizia ter incorporado, não foi capaz de ver que o capital só confia nos seus para o governar e que nunca é grato a quem, não sendo seu, lhes faz favores. Aproveitando um contexto internacional de excecional valorização dos produtos primários, provocado pelo desenvolvimento da China, incentivou os ricos a enriquecerem como condição para dispor dos recursos necessários para levar a cabo as extraordinárias politicas de redistribuição social que fizeram do Brasil um país substancialmente menos injusto ao libertarem mais de 45 milhões de brasileiros do jugo endêmico da pobreza.
Findo o contexto internacional favorável, só uma política “à moda nova” poderia dar sustentação à redistribuição social, ou seja, uma política que, entre muitas outras vertentes, assentasse na reforma política para neutralizar a promiscuidade entre o poder político e o poder econômico, na reforma fiscal para poder tributar os ricos de modo a financiar a redistribuição social depois do fim do boom das commodities, e na reforma da mídia, não para censurar, mas para garantir a diversidade da opinião publicada. Era, no entanto, demasiado tarde para tanta coisa que só poderia ter sido feita em seu tempo e fora do contexto de crise.
O segundo fator, relacionado com este, é a crise econômica global e o férreo controle que tem sobre ela quem a causa, o capital financeiro, entregue à sua voragem autodestrutiva, destruindo riqueza sob o pretexto de criar riqueza, transformando o dinheiro, de meio de troca, em mercadoria por excelência do negócio da especulação. A hipertrofia dos mercados financeiros não permite crescimento econômico e, pelo contrário, exige políticas de austeridade por via dos quais os pobres são investidos do dever de ajudar os ricos a manterem a sua riqueza e, se possível, a serem mais ricos. Nestas condições, as precárias classes médias criadas no período anterior ficam à beira do abismo de pobreza abrupta. Intoxicadas pela mídia conservadora, facilmente convertem os governos responsáveis pelo que são hoje em responsáveis pelo que lhes pode acontecer amanhã. E isto é tanto mais provável quanto a sua viagem da senzala para os pátios exteriores da Casa Grande foi realizada com o bilhete do consumo e não com o bilhete da cidadania.
O terceiro fator a favor do bloco conservador é o fato de o imperialismo norte-americano estar de volta ao continente depois das suas aventuras pelo Médio Oriente. Há cinquenta anos, os interesses imperialistas não conheciam outro meio senão as ditaduras militares para fazer alinhar os países do continente pelos seus interesses. Hoje, dispõem de outros meios que consistem basicamente em financiar projetos de desenvolvimento local, organizações não governamentais em que a defesa da democracia é a fachada para atacar de forma agressiva e provocadora os governos progressistas (“fora o comunismo”, “fora o marxismo”, “fora Paulo Freire”, “não somos a Venezuela”, etc, etc.). Em tempos em que a ditadura pode ser dispensada se a democracia servir os interesses econômicos dominantes, e em que os militares, ainda traumatizados pelas experiências anteriores, parecem indisponíveis para novas aventuras autoritárias, estas formas de desestabilização são consideradas mais eficazes porque permitem substituir governos progressistas por governos conservadores mantendo a fachada democrática. Os financiamentos que hoje circulam abundantemente no Brasil provêm de uma multiplicidade de fundos (a nova natureza de um imperialismo mais difuso), desde as tradicionais organizações vinculadas à CIA até aos irmãos Koch, que nos EUA financiam a política mais conservadora e que têm interesses sobretudo no setor do petróleo, e às organizações evangélicas norteamericanas.
Como salvar a democracia brasileira?
A primeira e mais urgente tarefa é salvar o judiciário brasileiro do abismo em que está entrando. Para isso, o setor íntegro do sistema judicial, que certamente é maioritário, deve assumir a tarefa de repor a ordem, a serenidade e a contenção no interior do sistema. O princípio orientador é simples de formular: a independência dos tribunais no Estado de direito visa permitir aos tribunais cumprir a sua quota parte de responsabilidade na consolidação da ordem e convivência democráticas. Para isso, não podem pôr a sua independência, nem ao serviço de interesses corporativos, nem de interesses políticos setoriais, por mais poderosos que sejam.
O princípio é fácil de formular, mas muito difícil de aplicar. A responsabilidade maior na sua aplicação reside agora em duas instâncias. O STF (Supremo Tribunal Federal) deve assumir o seu papel de máximo garante da ordem jurídica e pôr termo à anarquia jurídica que se está a instaurar. Muitas decisões importantes recairão sobre o STF nos próximos tempos e elas devem ser acatadas por todos qualquer que seja o seu teor. O STF é neste momento a única instituição que pode travar a dinâmica de estado de exceção que está instalada. Por sua vez, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), a quem compete o poder de disciplinar sobre os magistrados, deve instaurar de imediato processos disciplinares por reiterada prevaricação e abuso processual, não só ao juiz Sérgio Moro como a todos os outros que têm seguido o mesmo tipo de atuação. Sem medidas disciplinares exemplares, o judiciário brasileiro corre o risco de perder todo o peso institucional que granjeou nas últimas décadas, um peso que, como sabemos, não foi sequer usado para favorecer forças ou políticas de esquerda. Apenas foi conquistado mantendo a coerência e a isonomia entre meios e fins.
A guerra não está perdida, mas não será ganha
se apenas se acumularem batalhas perdidas,
o que sucederá se se insistir nos erros do passado
Se esta primeira tarefa for realizada com êxito, a separação de poderes será garantida e o processo político democrático seguirá o seu curso. O governo Dilma decidiu acolher Lula da Silva entre os seus ministros. Está no seu direito de o fazer e não compete a nenhuma instituição, e muito menos ao judiciário, impedi-lo. Não se trata de fuga à justiça por parte de um político que nunca fugiu à luta, dado que será julgado (se esse for o caso) por quem sempre o julgaria em última instância, o STF. Seria uma aberração jurídica aplicar neste caso a teoria do “juiz natural da causa”. Pode, isso sim, discordar-se do acerto da decisão política tomada. Lula da Silva e Dilma Rousseff sabem que fazem uma jogada arriscada. Tanto mais arriscada se a presença de Lula não significar uma mudança de rumo que tire às forças conservadoras o controle sobre o grau e o ritmo de desgaste que exercem sobre o governo.
No fundo, só eleições presidenciais antecipadas permitiriam repor a normalidade. Se a decisão de Lula-Dilma correr mal, a carreira de ambos terá chegado ao fim, e a um fim indigno e particularmente indigno para um político que tanta dignidade devolveu a tantos milhões de brasileiros. Além disso, o PT levará muitos anos até voltar a ganhar credibilidade entre a maioria da população brasileira, e para isso terá de passar por um processo de profunda transformação.
Se correr bem, o novo governo terá de mudar urgentemente de política para não frustrar a confianças dos milhões de brasileiros que estão a vir para a rua contra os golpistas. Se o governo brasileiro quer ser ajudado por tantos manifestantes, tem que os ajudar a terem razões para o ajudar. Ou seja, quer na oposição, quer no governo, o PT está condenado a reinventar-se. E sabemos que no governo esta tarefa será muito mais difícil.
A terceira tarefa é ainda mais complexa porque nos próximos tempos a democracia brasileira vai ter de ser defendida tanto nas instituições como nas ruas. Como nas ruas não se faz formulação política, as instituições terão a prioridade devida mesmo em tempos de pulsão autoritária e de exceção antidemocrática. As manobras de desestabilização vão continuar e serão tanto mais agressivas quanto mais visível for a fraqueza do governo e das forças que o apoiam. Haverá infiltrações de provocadores tanto nas organizações e movimentos populares como nos protestos pacíficos que realizarem. A vigilância terá de ser total já que este tipo de provocação está hoje a ser utilizado em muitos contextos para criminalizar o protesto social, fortalecer a repressão estatal e criar estados de exceção, mesmo se com fachada de normalidade democrática. De algum modo, como tem defendido Tarso Genro, o estado de exceção está já instalado, de modo que a bandeira “Não vai ter golpe” tem de ser entendida como denunciando o golpe político-judicial que já está em curso, um golpe de tipo novo que é necessário neutralizar.
Finalmente, a democracia brasileira pode beneficiar da experiência recente de alguns países vizinhos. O modo como as políticas progressistas foram realizadas no continente não permitiram deslocar para esquerda o centro político a partir do qual se definem as posições de esquerda e de direita. Por isso, quando os governos progressistas são derrotados, a direita chega ao poder possuída por uma virulência inaudita apostada em destruir em pouco tempo tudo o que foi construído a favor das classes populares no período anterior. A direita vem então com um ânimo revanchista destinado a cortar pela raiz a possibilidade de voltar a surgir um governo progressista no futuro. E consegue a cumplicidade do capital financeiro internacional para inculcar nas classes populares e nos excluídos a ideia de que a austeridade não é uma política com que se possam defrontar; é um destino a que têm de se acomodar. O governo de Macri na Argentina é um caso exemplar a este respeito.
A guerra não está perdida, mas não será ganha se apenas se acumularem batalhas perdidas, o que sucederá se se insistir nos erros do passado.
http://outraspalavras.net/brasil/boaventura-no-brasil-havera-tempo-contra-o-golpe/ 

QUATRO SOMBRAS AFLIGEM A REALIDADE BRASILEIRA

Leonardo Boff
Adital - 22 de março de 2016


Em momentos de crise, assomam quatro sombras que estigmatizam nossa história cujos efeitos perduram até hoje.


A primeira sombra é nosso passado colonial. Todo processo colonialista é violento. Implica invadir terras, submeter os povos, obriga-los a falar a língua do invasor, assumir as formas políticas do outro e submeter-se totalmente a ele. A consequência no inconsciente coletivo do povo dominado: sempre baixar a cabeça e ser levado a pensar que somente o que é estrangeiro é bom.
A segunda sombra foi o genocídio indígena. Eram mais de 4 milhões. Os massacres de Mem de Sá em 31 de maio de 1580 que liquidou com os Tupiniquim da Capitania de Ilhéus e pior ainda, a guerra declarada oficialmente por D.João VI em 13 de maio de 1808 que dizimou os Botocudos (Krenak) no vale do Rio Doce manchará para sempre a memória nacional.

Consequência: temos dificuldade de conviver com o diferente, entendendo-o como desigual. O índio não é ainda considerado plenamente "gente”, por isso suas terras são tomadas, muitos são assassinados e para não morrerem, se suicidam. Há uma tradição de intolerância e negação do outro.

A terceira sombra, a mais nefasta de todas, foi a escravidão. Entre 4-5 milhões de pessoas foram trazidas da África como "peças” a serem negociadas no mercado para servirem nos engenhos ou nas cidades como escravos. Negamos-lhes humanidade e seus lamentos sob a chibata chegam ainda hoje ao céu. Criou-se a instituição da Casa Grande e da Senzala.

Gilberto Freyre deixou claro que não se trata apenas de uma formação social patriarcal, mas de uma estrutura mental que penetrou nos comportamentos das classes senhoriais e depois dominantes. Consequência: não precisamos respeitar o outro; ele está aí para nos servir. Se lhe pagamos salário é caridade e não direito.

Predominou o autoritarismo; o privilégio substitui o direito. Criou-se um Estado para servir aos interesses dos poderosos, e não ao bem de todos, e uma complicada burocracia que afasta o povo.

Raymundo Faoro (Os donos do poder) e o historiador e acadêmico José Honório Rodrigues (Conciliação e reforma no Brasil) nos têm narrado a violência com que o povo foi tratado para estabelecer o estado nacional, fruto da conciliação entre as classes opulentas sempre com a exclusão intencionada do povo. Assim surgiu uma nação profundamente dividida entre poucos ricos e grandes maiorias pobres, um dos países mais desiguais do mundo, o que significa um país violento e cheio de injustiças sociais.

Uma sociedade montada sobre a injustiça social nunca criará uma coesão interna que lhe permitirá um salto rumo a formas mais civilizadas de convivência. Aqui imperou sempre um capitalismo selvagem que nunca conseguiu ser civilizado. Mas depois de muitas dificuldades e derrotas, conseguiu-se um avanço: a irrupção de todo tipo de movimentos sociais que se articularam entre si.

Nasceu uma força social poderosa que desembocou numa força político-partidária. O Partido dos Trabalhadores e outros afins, nasceram deste esforço titânico, sempre vigiados, satanizados, perseguidos e alguns presos e mortos.

A coligação de partidos hegemonizados pelo PT conseguiu chegar ao poder central. Fez-se o que nunca foi pensado e feito antes: conferir centralidade ao pobre e ao marginalizado. Em função deles se organizaram, como cunhas no sistema dominante, políticas sociais que permitiram a milhões saírem da miséria e terem os benefícios mínimos da cidadania e da dignidade.

Mas uma quarta sombra obnubila uma realidade que parecia tão promissora: a corrupção. Corrupção sempre houve entre nós em todas as esferas. Negá-lo seria hipocrisia. Basta lembrar os discursos contundentes e memoráveis de Ruy Barbosa no Parlamento.

Setores importantes do PT deixaram-se morder pela mosca azul do poder e se corromperam. Isso jamais poderia ter acontecido, dado os propósitos iniciais do partido. Devem ser julgados e punidos.

A justiça focou-se quase só neles e mostrou-se muitas vezes parcial e com clara vontade persecutória. Os vazamentos ilegais, permitidos pelo juiz Sérgio Moro, forneceram munição à imprensa oposicionista e aos grupos que sempre dominaram a cena política e que agora querem voltar ao poder com um projeto velhista, neoliberal e insensível à injustiça social. Estes conseguiram mobilizar multidões, conclamando o impedimento da Presidenta Dilma, mesmo sem suficiente fundamento legal como afirmam notáveis juristas. Mas o PT respondeu à altura.

As quatro sombras recobrem a nossa realidade social e dificultam uma síntese integradora. Elas pesam enormemente e vêm à tona em tempos de crise como agora, manifestando-se como ódio, raiva, intolerância e violência simbólica e real contra opositores. Temos que integrar essa sombra, como diria C.G.Jung, para que a dimensão de luz possa predominar e liberar nosso caminho de obstáculos.

Nunca fui filiado ao PT. Mas apesar de seus erros, a causa que defende será sempre válida: fazer uma política integradora dos excluídos e humanizar nossas relações sociaispara tornar a nossa sociedade menos malvada.

Leonardo Boff escreveu: Que Brasil queremos, Vozes 2000.

PINGOS NOS "IS"

GUILHERME CARVALHO APRESENTA SUA VISÃO CRÍTICA DA SITUAÇÃO BRASILEIRA A PARTIR DA AMAZÔNIA, REGIÃO E BIOMA EM QUE VIVE E ATUA. POR UM LADO, É ABSOLUTAMENTE INDISCUTÍVEL QUE DEVEMOS DEFENDER A DEMOCRACIA, COMBATENDO O GOLPE ORQUESTRADO POR FORÇAS CADA DIA MAIS VISÍVEIS. POR OUTRO, EVITADO O GOLPE, NÃO HÁ INDÍCIOS DE QUE SE POSSA ESPERAR MUDANÇA DE ROTA DO PT E DO GOVERNO DILMA EM RELAÇÃO À AMAZÔNIA E AOS SETORES POPULARES BRASILEIROS. SERIA ÓTIMO SE A PERSPECTIVA FOSSE MAIS POSITIVA, MAS VALE A PENA ILUDIR-SE? ENTÃO, O DESAFIO ESTÁ COM O PT E COM O GOVERNO: MOSTREM QUE ESTÃO MUDANDO AS POLÍTICAS E AS ALIANÇAS, E UMA QUANTIDADE MUITO MAIS EXPRESSIVA DE PESSOAS E MOVIMENTOS IRÃO PRAS RUAS.

Pingos nos "is"


  • A ordem democrática foi sim violada com a prisão arbitrária de Lula. Não há como negar a existência de um verdadeiro complô envolvendo setores do Congresso Nacional, do Judiciário e do Ministério Público; da mídia corporativa e de grandes grupos empresariais do Brasil e do exterior para retirar o Partido dos Trabalhadores (PT) do comando do executivo. Contudo, essa mesma ordem já vinha sendo violada pelo próprio governo através do uso da Força Nacional sobre os munduruku para garantir a realização de pesquisas para os Estudos de Impacto Ambiental (EIA), peça que se constituiu num mero rito formal para viabilizar grandes empreendimentos públicos e privados na Amazônia; da militarização das favelas cariocas e dos despejos forçados para a execução de obras de infraestrutura vinculadas às Olimpíadas; do uso da Polícia Federal para expulsar indígenas de suas terras no Mato Grosso e em outros pontos do país, como na Bahia; da aprovação da lei antiterrorismo que se tornou uma arma contra os movimentos sociais; do destroçamento da legislação ambiental para viabilizar os interesses do grande capital; do privilegiamento do agronegócio e da indústria extrativa em detrimento dos modos de vida de povos ancestrais, entre tantas outras situações de violação da ordem democrática.
  • Lutar contra o golpe capitaneado pela Globo não significa em hipótese alguma defender o governo petista. Isto para os que se colocam numa perspectiva socialista, de mudanças estruturais no Brasil. Defender a democracia e suas instituições é um compromisso de todos e todas realmente engajados(as) na construção de um país melhor. Além disso, é fundamental para garantir um campo adequado ao desenvolvimento das lutas sociais anti-hegemônicas, contra as desigualdades, por justiça socioambiental e pela paz. Portanto, para nós, o que está em jogo é muito mais do que a manutenção de um governo.
  • Se por um lado o discurso do ódio contra o PT e as forças progressistas e de esquerda tem resultado em ataques verbais e físicos por parte de grupos extremistas; por outro, respinga também nos partidos de oposição, principalmente o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que não tem conseguido capitalizar plenamente os descontentamentos – espontâneo e produzido – da população brasileira. Tal situação abre um flanco enorme para a aventura política e a busca por “salvadores da pátria”, como o próprio juiz Sergio Moro ou o deputado Jair Bolsonaro, este do Partido Social Cristão (PSC).
  • Infelizmente para a Amazônia a continuidade ou não do governo Dilma Roussef não altera substancialmente o papel da região no processo de acumulação ampliada do capital. O aprofundamento da conexão da Amazônia aos mercados internacionais, a instalação de complexos sistemas logísticos para dar vazão à exploração de seus recursos naturais, a violação continuada dos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, a alteração de marcos legais para viabilizar a exploração e expropriação de territórios, a criminalização de movimentos sociais e de suas lideranças, a inviabilização financeira das organizações que se opõem ao modelo de desenvolvimento hegemônico e o combate político-ideológico a elas com base nos discursos do progresso e da ordem social, permanecerão como elementos estruturantes da ação do Estado e das corporações econômicas nacionais e transnacionais nesta parte do território brasileiro. O PT não romperá com essa lógica.
Guilherme Carvalho
Doutor em Ciência do Desenvolvimento Socioambiental, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos - UFPA
http://macareuamazonico.blogspot.com.br/ 

domingo, 20 de março de 2016

UMA SEMANA SANTA PELA PAZA NO BRASIL

Roberto Malvezzi (Gogó)
Seria interessante que os cristãos preocupados com a paz e a justiça se voltassem essa semana santa para o jejum e oração pelo Brasil. Não nos esqueçamos que essas foram as grandes armas dos maiores pacifistas do mundo, como Gandhi, Luther King, Mandela, D. Hélder e o próprio Jesus.
Não cabe a nós cristãos jogar gasolina no ódio que divide a sociedade brasileira. E corremos o risco de ver voltar regimes autoritários que tantas desgraças trouxeram ao país.
Lembremo-nos que a Igreja Católica colocou o povo na rua em 1964, com a Marcha da Família. Hoje não é mais preciso que Igreja cumpra esse papel. Setores da grande mídia e as redes sociais se encarregam de organizar e inflamar as paixões que estão nas ruas.
Lembremo-nos que nesse momento da história, todos os elementos que estiveram nos outros golpes continuam na praça: setores da grande mídia, a classe média branca, os empresários. Mas, esse golpe ainda não tem a digital da Igreja e dos militares.
Pelas declarações, a CNBB pede serenidade nesse momento, inclusive alertando continuamente sobre o risco de quebrarmos nossa frágil ordem democrática.
As multidões nas ruas estão divididas. De um lado setores privilegiados que querem a qualquer custo a derrubada da presidenta, de outro os grupos que fazem a defesa da democracia, ainda que não das mazelas do atual governo. 
No fundo não está apenas o combate à corrupção, mas o pretexto da corrupção para interesses subterrâneos de poder, tanto em nível nacional como internacional. Podemos combater a corrupção sem quebrar a ordem democrática.
Lembremo-nos das vítimas da ditadura civil-militar de 1964: Frei Tito, Pe. Henrique, os dominicanos, tantas lideranças populares e de comunidades presas, torturadas e mortas durante esse período.
Lembremo-nos também dos jornalistas, dos líderes operários e sindicais, a exemplo de Santo Dias da Silva.
Lembremo-nos do sofrimento imposto a tanta gente de Igreja ou pessoas de boa vontade que pagaram na pele e na sua família o peso do ódio cego.
Lembremo-nos que a ditadura não precisa ser necessariamente militar – “O avanço da ditadura civil brasileira”    http://www.robertomalvezzi.com.br/visao/index.php?pagina=3&artigo=82   -, mas pode ser simplesmente civil, decretada por um ou mais juízes, por um grupo de parlamentares, com a legitimação de profissionais e organismos de mídia.
Um pouco de oração e jejum pelo Brasil fará bem a todos nós. 

sexta-feira, 18 de março de 2016

DESNUDANDO O 1% BRASILEIRO - QUE NÃO PAGA IMPOSTOS

VEJAM O QUE ACONTECE QUANDO DE PASSA DAS IMPRESSÕES PARA A PESQUISA: DESCOBRE-SE QUE OS ENGRAVATADOS PODEM COMPRAR MUITAS GRAVATAS COM O QUE DEIXAM DE PAGAR NA FORMA DE IMPOSTOS. VEJAM OS DADOS E DECIDAM: O QUE DEVEREMOS FAZER PARA QUE A CONCENTRAÇÃO DA RIQUEZA NÃO CONTINUE CRESCENDO E PARA QUE A RIQUEZA SOCIALMENTE PRODUZIDA SEJA FONTE DE QUALIDADE DE VIDA PARA TODAS AS PESSOAS? COM CERTEZA, PELO MENOS INVERTENDO OS CRITÉRIOS E A LÓGICA DA POLÍTICA TRIBUTÁRIA...

Desnudando o 1% brasileiro — que não paga impostos

Roberto Irineu Marinho (centro), José Roberto Marinho (à esquerda) e João Roberto Marinho, três dos homens mais ricos do Brasil, segundo a Forbes
José Roberto Marinho, Roberto Irineu Marinho e João Roberto Marinho, acionistas do Grupo Globo. Três dos homens mais ricos do Brasil, segundo a Revista Forbes (2015)
Nova pesquisa revela: desigualdade brasileira é maior do que se calculava. Super-ricos ganham 964 vezes mais que média da população. Reforma Tributária é cada vez mais indispensável
Por Róber Iturriet Avila
Somente a partir do final de 2014 a Receita Federal do Brasil passou a disponibilizar mais dados brutos das declarações de imposto de renda pessoa física. À medida que essas informações vêm à tona, é possível estabelecer algumas conclusões. Uma delas é que a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) não é precisa no que tange à renda dos estratos superiores da sociedade brasileira. Outra conclusão é que a concentração de renda é superior ao que as surveys (pesquisas) transmitem.
Marc Morgan Milá é um dos autores que trouxe mais luz sobre os dados das declarações de imposto de renda ao concluir seu trabalho naParis School of Economics, ao final de 2015. O Trabalho de Milá (2015) estabelece estimativas do topo da renda diferentes daquelas presentes na PNAD.  No Brasil, no ano de 2013, a preços de fevereiro de 2016, os cortes dos estratos superiores eram os seguintes:
  • 10 % mais ricos: renda mensal superior a R$ 4.191,88
  • 5% mais ricos: renda mensal superior a R$ 7.536,61
  • 1% mais ricos: renda mensal superior a R$ 23.128,71
  • 0,1% mais ricos: renda mensal superior a R$ 89.971,47
  • 0,05% mais ricos: renda mensal superior a R$ 428.849,47
  • 0,01% mais ricos: renda mensal superior a R$ 690.829,25
Cabe destacar que a renda média do grupo que figura o topo é bastante superior ao corte limiar. Dentre os 0,1% mais ricos, a renda média mensal é de R$ 161.146,38 (valores atualizados). Já dentre os 0,01% mais ricos, a renda média mensal é de R$ 2.213.187,12 mensais (atualizados), ou seja, 964,5 vezes superior à média brasileira.
Em 2013, o 1% mais rico apropriou-se de 26,6% da renda nacional, já o 0,01% mais rico absorveu 4,8% do total. Trata-se do maior nível de desigualdade já registrado a partir dos dados tributários, os quais são mais confiáveis do que os de surveys…  A concentração existente no Brasil só encontra paralelo com os 0,01% mais ricos dos Estados Unidos.
Cumpre ressaltar que esses dados são apenas de renda, uma variável fluxo, e não de riqueza, uma variável estoque. A riqueza é sempre mais concentrada, em qualquer país. Os 51,4 mil brasileiros mais ricos possuíam, em 2013, uma média patrimonial de R$ 24,8 milhões (a preços de 2016).
Ao longo do século XX, os países corrigiram as sabidas disparidades geradas pelo sistema capitalista através da tributação e de políticas públicas. Na esteira dessas transformações, o Brasil passou a cobrar imposto de renda a partir de 1923. Entretanto, a tributação sobre renda e propriedade no Brasil são sensivelmente baixas em um comparativo internacional. Nos países mais desenvolvidos, a principal fonte de receita tributária é o imposto sobre a renda. Mesmo o México, o Chile e a Argentina possuem um sistema tributário mais justo em termos sociais do que o brasileiro. Os dois primeiros por cobrarem mais impostos sobre a renda e o último por cobrar mais impostos sobre o patrimônio.
Nas décadas de 1980 e 1990, as alíquotas máximas de imposto de renda no Brasil foram reduzidas de maneira expressiva… Atualmente a taxa máxima é de 27,5%, porém chegou a ser de 65% no Governo João Goulart.
Uma das principais distorções do sistema tributário brasileiro é a isenção de imposto de renda dos lucros e dividendos, vigente desde 1995.  A maior parte da renda do 1% mais rico advém de lucros e dividendos. Em 2013, as receitas ISENTAS dos 71,4 mil (aproximadamente 0,05%) brasileiros mais ricos foram de R$ 233,7 bilhões, a preços de 2016…
Referências
MILÁ, Marc Morgan.  Income concentration in a context of late development: an investigation of top incomes in Brazil using tax records, 1933-2013.  2015.165f. Dissertação (Mestrado) ― Paris School of Economics, Paris, 2015.

ACABAMOS DE CHEGAR A 1,5ºC EM FEVEREIRO, DIZ A NASA,

COMO TODAS AS PESSOAS QUE ESTÃO ATENTAS AO QUE ESTÁ ACONTECENDO COM A TERRA, A NASA ANDA AFLITA COM O FATO DE QUE CADA MÊS QUE PASSA TEM SIDO MAIS QUENTE DO QUE O ANTERIOR. SÓ FALTA A NASA DAR-SE CONTA QUE O CONSUMISMO NORTEAMRICANO TEM TUDO A VER, NA VERDADE É A PRINCIPAL CAUSA DO AQUECIMENTO, E POR ISSO DEVERIA PROPOR MUDANÇAS PROFUNDAS NA POLÍTICA ECONÔMICA ESTADUNIDENSE.

E NÓS, O QUE FAREMOS?

Sabe aquele 1,5o C? Acabamos de chegar lá

Dados divulgados no sábado pela Nasa confirmam que fevereiro foi o mês mais quente da história desde que a humanidade iniciou os registros globais de temperatura, em 1880. A média do mês foi 1,35oC mais alta do que o período entre 1951 e 1980, batendo de longe a anomalia recorde anterior, que pertencia a janeiro de 2016 (1,14oC). O trimestre dezembro-fevereiro também é o mais quente da série, com 1,2oC.
A reportagem foi publicada por Observatório do Clima, 14-03-2016.
O período de referência usado pela Nasa é, ele próprio, mais quente que o período pré-industrial em cerca de 0,3oC. Portanto, é provável que o globo tenha, pelo menos nesse, mês, ultrapassado o 1,5oC de aquecimento em relação à era pré-industrial que prometemos tentar evitar com o Acordo de Paris, assinado no ano passado.
Em seu blog na revista Slate, o meteorologista americano Eric Holthaus, que havia antecipado o teor dos dados daNasa na semana passada, ressalta que, no hemisfério Norte, a temperatura ultrapassou até mesmo o limite de 2oC.
No Ártico, que liderou a tendência de calor global do mês, a temperatura foi 4oC mais alta do que a média do mês.
A temperatura global em um único mês não informa muita coisa sobre a média ano a ano, que é o que realmente importa para distinguir tendências no clima. Embora o limite de 1,5oC tenha sido ultrapassado em um mês, isso não quer dizer que essa será a média de 2016 (embora a previsão seja de que este ano será ainda mais quente que 2015, que foi mais quente que qualquer outro ano nas medições globais) ou que o aquecimento da Terra seja uma marcha inexorável de um ano mais quente que o outro (embora o biênio 2014-2015 passe exatamente essa impressão).
Mas o pico de calor no mês passado, em pleno inverno do hemisfério norte, deixou de queixo caído até os cientistas que fazem os registros. O diretor do Centro Goddard de Estudos Espaciais da Nasa, Gavin Schmidt, soltou um único comentário a respeito em sua conta no Twitter: “Uau”. E elaborou: “Normalmente eu não comento sobre meses individuais [nos quais a variabilidade meteorológica, de curto prazo, é muito maior que a climática, o que pode distorcer a percepção], mas o mês passado foi especial”.
O El Niño monstro que ainda esquenta o Pacífico neste ano é visto como cúmplice do recorde, mas de maneira alguma o único culpado. Como lembra o também meteorologista Jeff Masters em seu blog, fevereiro de 2016 deixou no chinelo fevereiro de 1998, que também sofreu o efeito de um El Niño monstro e até então detinha o recorde de fevereiro mais quente, com 0,88oC de anomalia (uma diferença de impressionantes 0,47oC entre ambos).
“Estamos acelerando a uma velocidade assustadora rumo ao limite acordado globalmente de 2oC de aquecimento em relação à era pré-industrial”, escreveu Masters.

terça-feira, 15 de março de 2016

ENERGIA SOLAR NO SERTÃO PARAIBANO

O amigo Heitor Scalambrini e eu convidamos a visitarem o site do Comitê de Energias Renováveis do Semiárido. É parceiro do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil e do projeto da Misereor/FMCJS/Caritas, que possibilitará, nos próximos três anos, a implantação de muitos projetos-piloto de energia alternativa descentralizada e com participação popular, com maior destaque para a energia solar, acolhendo o maravilhoso sol do Semiárido.

Apoiamos a realização do II Fórum do Semiárido de Energia Solar como um dos Seminários previstos no referido projeto.
www.cersa.org.br

sexta-feira, 11 de março de 2016

POLÍTICA COM HUMOR


Já leu a piada de hoje?
Numa livraria de São Paulo o senhor engravatado pergunta:
"Tem o Pequeno Príncipe de Maquiavel?"
Responde o vendedor:
É para o MP estadual, não é?

A JARARACA, LULA E D.DARCY

Roberto Malvezzi (Gogó)
Meu pai sempre teve vida no campo, até hoje, embora eu já me conhecesse morando em cidades no interior de São Paulo.
Ele nos ensinava a matar cobras. Não se bate a primeira nem no rabo, nem na cabeça. No rabo ela te dá um bote. Na cabeça, se errar, ela te morde. Então, com um pau duas vezes maior que a cobra, se bate a uns dois palmos da cabeça, para quebrar a espinha dorsal. Depois se esmaga a cabeça.
Mesmo assim, quando já tinha mais de 80 anos, foi mordido por uma cascavel quando cortava cana. Sobreviveu, continua rastelando o quintal do sítio até hoje com mais de 90 anos.
Mas, assim era no passado. Hoje o mundo da biodiversidade nos ensina que cada ser tem um papel na natureza. Papa Francisco, na Laudato Si, diz que “cada criatura tem sua mensagem”. Por isso, as cobras não venenosas têm seu lugar na natureza, como controladoras de ratos e outros roedores que transmitem doenças. Além disso, comem cobras venenosas. Aqui pelo sertão ainda é costume algumas famílias criarem jiboias em casa para espantar as venenosas.
É do veneno da jararaca que se faz o remédio mais potente contra a pressão alta, inclusive de mulheres grávidas. Então, não é sinal de inteligência matarmos as cobras.
Convivi com D. Darcy no tempo de seminário redentorista. Aliás, fui seu professor de literatura durante ao menos um ano. Era uma pessoa simples e de alma generosa.
Mas, ele fez um sermão sobre cobras, particularmente a jararaca, que repercutiu no Brasil inteiro.  Talvez, lendo o Papa Francisco, ele possa atualizar o discurso, quem sabe mais ecológico, mais afinado com os tempos modernos. Vamos respeitar a mensagem de cada criatura.
Segundo, vi-o algumas vezes em Aparecida arrodeado de outras víboras da política brasileira. E ele parecia bem à vontade. Nesse campo não se pode jamais ter dois pesos e duas medidas, sob o risco de sermos mortalmente envenenados.  
Então, assim como na natureza, a biodiversidade política é fundamental onde queiramos que reine a democracia, desde que o respeito mútuo seja maior que nossos interesses partidários. Como nos ensinava Jesus, “sejamos simples como as pombas e astutos como as cobras”.
A própria CNBB, oficialmente, tem se colocado em defesa da democracia, contra os golpes e no combate à corrupção venha de onde vier.
Para um bom entendedor, uma minhoca basta.