quinta-feira, 31 de março de 2011

NÃO SE CURA ENVENENAMENTO COM MAIS VENENO

Estou impressionado com os artigos que circularam nos últimos dias sobre a crise que atinge diversos países da Europa. Na Carta Capital desta semana, por exemplo, aparece o drama de Portugal. Afinal, o que está acontecendo com estes países que, durante décadas, viveram experiências de bem estar social?

Tenho afirmado, em muitas oportunidades de debate sobre as origens e significado do neoliberalismo, que as críticas que lhe deram origem se destinavam ao estado do bem estar social europeu. O motivo é que os ultraliberais não aguentavam mais a intervenção do Estado na definição das políticas sociais, disciplinando as relações entre empresariado e trabalhadores. Derrotada a ameaça do socialismo, que levava os empresários a aceitarem distribuir um pouco mais de seus lucros para evitar que os trabalhadores se sentissem atraídos por ele, havia chegado a hora do fim da presença forte do Estado. Agora, tudo deveria ser definido, uma vez mais e de forma mais radical, pela livre iniciativa capitalista, agora agindo em âmbito mundial. Todo e qualquer entrave jurídico e de regulação econômica deveria ser anulado, possibilitando que a mão invisível do mercado voltasse a determinar as escolhas e as relações globalizadas.

Pois bem, os primeiros que sentiram o peso das medidas foram os países em via de desenvolvimento, em crises ligadas ao seu endividamento, que serviu como oportunidade para impor, via Banco Mundial e FMI, as mudanças de política econômica que interessavam ao capital, comandado pelo setor financeiro, sob a forma de condicionalidades para continuarem merecendo a confiança do "mercado". Com isso, aparentemente ganhavam os países "credores"; a história, contudo, deixou claro que só ganhavam as grandes instituições financeiras. E essas foram incorporando também os países europeus à nova ordem liberal mundial, lançada com apoio explícito dos governos da Inglaterra e dos Estados Unidos nos anos 80.

Agora, o que se está presenciando é a quebra dos países europeus que se deixaram enredar por essa nova ordem, assentada na especulação e que tem como um de seus pilares as dívidas públicas. Com seus altos juros, foram comprometendo as contas dos Estados, que, por terem políticas sociais definidas a partir das condições de distribuição da renda definidas pelos governos social-democratas, já não dispõem de recursos para cobrir seus custos e garantir os direitos da cidadania. Diante das declarações de suspeita de falta de capacidade financeira para manter em dia os compromissos da dívida, publicadas por instituições de confiança do mercado financeiro, este mesmo mercado impõe juros mais altos e a introdução de medidas de redução de gastos públicos que só podem ser implementados com cortes nos direitos sociais.

Há outro "detalhe" que não pode ser esquecido: esses Estados estão com finanças públicas fragilizadas por terem aceito a proposta de que deviam repassar trilhões de dólares ao capital financeiro para evitar sua bancarrota total, como consequência da crise gerada por aventuras especulativas das mesmas instituições do mercado financeiro.

Por isso, os próprios bancos credores dos Estado criaram o ambiente de aperto para impor, agora em nome da ameaça de não cumprirem seus compromissos de dívida,mais juros e redução de direitos dos trabalhadores.

Este é o caldo das crises européias. Como se pode perceber, os Estados continuam aceitando que o capital financeiro dite as regras da política; com isso, enredam-se cada vez mais na trama de sucessivas crises, servindo do mesmo veneno a quem já está envenenado. Até o momento, essas crises só estão sendo enfrentadas com seriedade quando a população assume seu poder e organiza revoltas populares. Na Islândia, por exemplo, elas levaram à queda do governo conservador, que aceitava as imposições do capital financeiro internacional, à eleição de um governo que, com apoio popular, através de plebiscitos, mudou a política macroeconômica e, para consolidá-la, aceitou convocar a população para elaborar uma nova constituição, que consolidará leis que regulem a economia a serviço dos direitos da população. Nos demais países, a mobilização cidadã ainda não alcançou esses resultados. Mas fica a pergunta: haverá saída dessas crises capitalistas sem democratizar as decisões sobre o funcionamento da economia?

E no Brasil, em que o governo federal dá sinais de retomar a política do primeiro mandato de Lula, definida em acordo ou por medo do capital financeiro especulativo, está mais do que na hora de colocar as barbas de molho. Afinal, não está escrito nas estrelas de que não poderemos voltar a ser a bola da vez das crises provocadas pelo capital financeiro para financiar seu poder e suas aventuras. Nesse jogo, como não há regras nem ética, vale tudo, e o Brasil pode, sim, voltar a ser encurralado em crise financeira que servirá para exigir a entrega ainda maior das suas riquezas naturais...

quarta-feira, 23 de março de 2011

DESTINO DE UMA CASA DIVIDIDA

O que sucede quando os responsáveis por uma casa defendem posições contrárias? Como expressa o povo, a casa cai. E quando um ministro de um governo federal defende posição contrária ao que está definido em lei e é anunciado como compromisso público pelo governo? No mínimo, se não houver correções, o governo se desmoraliza.

É o que está acontecendo nos últimos dias em nosso governo federal. Como se sabe, existe um Lei de Mudanças do Clima, e nela consta o compromisso, aliás alardeado internacionalmente, de diminuir seriamente o desmatamento da Amazônia e do Cerrado. Em pronunciamento público, contudo, o Ministro da Agricultura desprezou o compromisso em relação ao Cerrado, dizendo que nele não há nada... só cerrado (ver em http://congressoemfoco.uol.com.br/noticia.asp?Cod_Canal=14&Cod_Publicacao=36359). Por isso, em sua visão, esse é um território disponível para o agronegócio.

Afinal, qual será a política real do governo federal em relação ao Cerrado? Pelo que se nota do poder dos representantes do agronegócio na base política do governo, é provável que a visão do ministro seja predominante. E assim, tudo que foi colocado na lei e tudo que foi propalado pelo governo irá para o ralo, e o Cerrado continuará a ser devastado.

Uma vez mais, coloca-se a questão: quando será que o governo, com todos os seus integrantes, começará a redefinir suas políticas, dando-lhes a qualidade necessária para o século XXI? A afirmação do ministro faz parte da visão de desenvolvimento centrada no crescimento econômico a qualquer custo, mas isso podia ser aceitável no século dezenove ou vinte. Por isso, a possibilidade de que seja implementada efetivamente uma política de defesa do que resta do Cerrado, diminuindo ou impedindo a continuidade de seu desmatamento, está a depender de uma redefinição de toda a política econômica do governo federal, ancorada e a serviço do PAC, um Programa que não leva em conta a situação em que se encontra a Terra justamente por causa de atividades econômicas idênticas à maioria das promovidas por ele. Ou conseguimos forçar o governo a mudar sua visão e o tipo de economia a ser promovida, ou o Brasil aumentará ainda mais sua responsabilidade em relação aos desastres socioambientais que se multiplicarão por causa do aumento do aquecimento global.

O Cerrado é o primeiro bioma brasileiro a se estabilizar e a oferecer excelentes oportunidades de vida aos humanos que migraram para o planalto central há doze mil anos. Com uma das mais ricas biodiversidades do Planeta, com um solo esponjoso por causa do enraizamento profundo de sua vegetação, o Cerrado tem sido pródigo fornecedor de água para todos os demais biomas. Até quando terá condições de prestar esse tipo de serviço, para o qual foi preparado em milhões de anos pela Terra? Ele já está seriamente fragilizado, com aproximadamente 80% de sua vegetação e biodiversidade modificadas. Se a fala e o poder do Ministro da Agricultura pautarem a ação política do governo federal, que contará com apoio festivo do governo liberal conservador de Goiás, o futuro próximo do Cerrado não é nada alentador: compactação do solo, diminuição de água disponível, aumento da temperatura, desertificação.

Para salvar o que resta do Cerrado, é mais do que urgente a necessidade de juntar a força política da cidadania que ouve os clamores e a profecia da Terra. Você faz parte desta frente? Será uma forma de colocar em prática a Campanha da Fraternidade deste ano, que tem como lema Fraternidade e Vida do Planeta, e como lema A Criação sofre em dores de parto.

terça-feira, 8 de março de 2011

BELO MONTE: QUAIS JUÍZES ESTÃO CERTOS?

Faço minhas as palavras do Movimento Xingu Vivo, reagindo e condenando a decisão judicial que devolve às empresas que desejam construir a hidrelétrica do Belo Monte, no Pará, a licença ilegal para dar início à obra. De fato, todos estamos preocupados com o destino do Judiciário em nosso país. Afinal, como explicar que o certo para um vira erro para outro, em pouco tempo?! Quem realmente respeita e cuida que as leis e a Constituição sejam respeitadas e colocadas em prática? Quando se trata de grandes obras, estarão certos os juízes de Brasília, que sempre e rapidamente dão ganho de causa a toda proposta do governo federal?

Leiam e reflitam sobre o que nos diz o Movimento Xingu Vivo.



IHU - 6/3/2011

Belo Monte. Covardia, irresponsabilidade e sanha ditatorial
http://www.ihu.unisinos.br/templates/interna/images/pontilhado_news.jpg
"O presidente do TRF1, Olindo Menezes, derrubou nesta quinta (3) a liminar da Justiça Federal que suspendeu o licenciamento das obras de Belo Monte. Correu para atender ordens da Advocacia Geral da União, que não demonstra menor pudor ou escrúpulos ao tratorar o Estado de Direito e violar as leis ao sabor dos interesses de seus “coronéis” palacianos".

A nota é do Movimento XIngu Vivo, 03-03-2011.

Eis a nota.
O presidente do TRF1, Olindo Menezes, derrubou nesta quinta (3) a liminar da Justiça Federal que suspendeu o licenciamento das obras de Belo Monte. Correu para atender ordens da Advocacia Geral da União, que não demonstra menor pudor ou escrúpulos ao tratorar o Estado de Direito e violar as leis ao sabor dos interesses de seus “coronéis” palacianos

Mais uma vez, o TRF1 utilizou a Suspensão de Segurança, instrumento criado nos porões da ditadura militar, para derrubar uma decisão judicial a toque de caixa, sem aplicar os preceitos da legislação competente.

Baseado em que o Sr. Olindo Meneses afirma que “não há necessidade dos empreendedores da usina cumprirem todas as condicionantes listadas na licença prévia”? Nós, povos da região, reivindicamos uma justificativa legal que permita uma licença de instalação parcial, como a concedida pelo Ibama às obras de Belo Monte, sem o cumprimento das condicionantes.
Como pode esse governo se autodenominar democrata e popular refugiando-se em subterfúgios cunhados na ditadura? O que acha que acontecerá na região paraense do Xingu, uma das mais conflituosas do país, quando for invadida por milhares de iludidos em busca de emprego? Os que circulam, empertigados, no gabinete presidencial, nos corredores lustrosos do Palácio do Planalto e dos tribunais federais, se responsabilizarão pelos estupros, assassinatos e desmatamentos, pelos doentes, desempregados, famintos, drogados e alcoolizados vitimados por Belo Monte? Têm essas senhoras e esses senhores a menor idéia de como é a região que querem violar com seu monstrengo hidrelétrico?
Refastelados em seus ares condicionados em Brasília, essas pessoas covardemente brutalizam sem escrúpulos aqueles a quem fizeram promessas pomposas de “diálogo”. Vergonha sobre a Presidência da República! Vergonha sobre o Tribunal Regional Federal da 1a Região!






quinta-feira, 3 de março de 2011

CÓDIGO FLORESTAL: ENTREGANDO OS ANÉIS?

As notícias sobre a estratégia dos deputados que só defendem os interesses do agronegócio em relação ao Código Florestal indicam que já não haveria a unanimidade inicial. Uma parte continua pressionando em favor da votação imediata da proposta sistematizada por Aldo Rebelo. Outros, contudo, preferem abrir um diálogo com o governo, visando evitar que seja enviado ao Congresso, via Medida Provisória, uma proposta alternativa.
O que estaria acontecendo? Parece que os proprietários modernos, ligados às empresas do agronegócio de São Paulo, estariam sabendo, provavelmente por meio de seu ministro da agricultura, que o governo busca consenso interno para encaminhar, de fato, uma proposta alternativa. E passaram a propor que não convinha continuar radicalizando, já que isso poderia levar a perder tudo. Sua proposta de diálogo tem como finalidade evitar que o governo entre unido na disputa, preferindo que se chegue a uma negociação em que os pontos essenciais de interesse do agronegócio estejam preservados.
Os demais agronegocistas continuam tentando convencer a maioria dos deputados a votarem a proposta de Aldo, por mais que todas as vozes razoáveis, e entre elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciência (ABC), demonstrem que sua aprovação agravará o desastre ecológico. Compreende-se, já que eles defendem até que os colegas que cometem o crime hediondo da submissão de pessoas a trabalho escravo não percam seu direito à propriedade da terra! Para eles, as pessoas e a Mãe Terra nada valem; só valem os dólares da exportação de suas commodities.
Por outro lado, o que esperam ganhar os agronegocistas que preferem negociar? Como expressa muito bem o ditado popular, certamente preferem entregar os anéis para não perder os dedos. Foi publicado que são inegociáveis: o cancelamento das dívidas de quem cometeu crimes ambientais e a possibilidade de compensar as reservas legais em qualquer região do país, mesmo fora do ecossistema e bioma. Isso revela suas verdadeiras intenções: defesa e alargamento de seus privilégios; os pequenos proprietários, cujos direitos são alegados como justificativa das suas propostas, não passam, para eles, de boi de boi de piranha.
Tudo isso torna indispensável que o governo se manifeste e apresente a proposta construída em diálogo com movimentos sociais que defendem direitos dos pequenos agricultores familiares. Ela estabelece formas de enfrentamento de problemas reais dos pequenos sem, contudo, mudar normas legais que protegem o que resta de meio ambiente saudável; e que protegem, por isso, a vida humana, no campo e na cidade, dramaticamente atingida em desastres socioambientais como os da Região Serrana do Rio de Janeiro, que causaram mortes que teriam sido evitadas se as leis ambientais, presentes no Código Florestal, tivessem sido colocadas em prática.